Quando Anselmo Bertoldi falava, costumava pronunciar com calma cada palavra e fitar atentamente o ouvinte com seus olhos claros. Era impossível não admirar e se impressionar com a lucidez do ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que morreu ontem, aos 93 anos. Partiu deixando não só quatro filhos, sete netos e quatro bisnetos, mas também um legado cultural que ficará eternizado na história de Jaraguá do Sul. Bertoldi será sepultado às 10 horas de hoje, no Cemitério da Vila Lenzi, num espaço destinado aos ex-combatentes.

Continua depois da publicidade

Ele estava internado no Hospital São José desde domingo, quando começou a sentir fortes dores nas costas, problema que tratava há três meses e causava dificuldade de locomoção. O filho mais velho, Belizário Bertoldi, conta que o pai não resistiu a problemas pulmonares causados por um aneurisma no abdômen.

– Em dezembro, ele visitou comigo a casa onde morou em Rio dos Cedros, e a igrejinha que ajudou a construir na cidade. Parecia que queria se despedir – relembra, com lágrimas nos olhos.

Belizário lembra que, até ano passado, Bertoldi fez palestras em escolas e museus contando as experiências dele e dos outros ex-combatentes.

Continua depois da publicidade

– Meu pai era um líder. Foi pedreiro, barbeiro, carpinteiro, farmacêutico e até subdelegado – comenta.

Bertoldi será sepultado às 10 horas de hoje no Cemitério da Vila Lenzi, num espaço destinado aos ex-expedicionários da região. Nascido em Rio dos Cedros, o ex-combatente morava em Jaraguá do Sul há mais de 30 anos. Desde 2000 era presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (ANVFEB), seção Jaraguá do Sul, e grande incentivador da preservação da memória dos pracinhas da região.

Na Segunda Guerra, onde atuou entre 1944 e 1945, foi padioleiro, trabalho que consistia em recolher os feridos em combate e os encaminhar para atendimento médico. As experiências foram relatadas por ele no livro “Um soldado desarmado”, que lançou em 2011 para contar a história presenciada enquanto estava em combate na Itália, entre 1944 e 1945.

Continua depois da publicidade

– Ele costumava dizer que participou de uma guerra sem nunca ter pego numa arma – comenta Sidnei Marcelo Lopes, funcionário da Fundação Cultural que acompanhou a história de Bertoldi.

Luta para preservar a história

Mesmo com a idade avançada e com os problemas de saúde que começavam a surgir, Anselmo Bertoldi nunca se acomodou. Foi na gestão dele frente à ANVFEB que Jaraguá do Sul foi palco o 22º Encontro Nacional de Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Entre as distinções recebidas estão o Diploma e Medalha Mascarenhas de Moraes e a Medalha Cruz de Combate dos Aliados da Europa, do historiador Giovanni Sulla, de Montese, na Itália.

– Os representantes vieram da Itália para homenageá-lo. Foi uma honra ele receber essas condecorações – comenta o secretário executivo da ANVFEB de Jaraguá, Ivo Kretzer.

Continua depois da publicidade

Outra iniciativa de Bertoldi foi sugerir, aos governos Estadual e Federal, a inclusão da história da Força Expedicionária Brasileira no currículo escolar dos estudantes em Santa Catarina. Segundo Kretzer, o assunto ainda está sendo avaliado pela Secretaria Estadual de Educação. Bertoldi também foi um dos maiores apoiadores da inauguração da Praça do Expedicionário e do Museu da Paz, na Avenida Getúlio Vargas.

A região conta, agora, com apenas quatro representantes da FEB vivos: João Rodolfo Hauck, João Apolinário Francener, Hercílio Spézia e Walter Carlos Hertel. Em 28 de dezembro, Fridolino Irineu Kretzer, vice-presidente da ANVFEB, faleceu. Ele é pai do atual secretário executivo da entidade, Ivo Kretzer.

Frases

– Lembro-me de cada um daqueles dias tenebrosos da guerra, das horas subindo as áreas de batalhas, atravessando terrenos minados, vendo os companheiros contorcendo-se de dor. Nós, os padioleiros, nos atirávamos sobre eles tratando de estancar a hemorragia, aplicar a morfina para aliviar as dores e depois transportar os feridos para um posto de saúde. Sinto isso ainda hoje, bem comovido –

Continua depois da publicidade

Anselmo Bertoldi, no livro “Um soldado desarmado”, de 2011

– Era um patrimônio vivo de Jaraguá. Mesmo em idade avançada, contava aos estudantes histórias sobre a guerra para pregar a paz. A criançada tinha Anselmo Bertoldi como um herói –

Sidnei Marcelo Lopes, funcionário da Fundação Cultural

– Era um entusiasta da preservação da memória dos pracinhas. Um homem que marcou a história não só por ter ido para a guerra e pela mobilização pela paz –

Leone Silva, presidente da Fundação Cultural de Jaraguá do Sul

– Perdemos um herói nacional, que defendeu a paz e deixou um legado cultural. As cidades de Jaraguá e Rio dos Cedros perdem uma fração da memória e da força moral do seu povo –

Continua depois da publicidade

Ademir Pfiffer, historiador