Entre abraços e manifestações de boa vontade no anúncio do início formal das negociações de paz entre israelenses e palestinos em Washington, o secretário de Estado americano, John Kerry, fez uma declaração que tentava quebrar o ceticismo reinante:
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– As questões fundamentais estão sobre a mesa para discussão.
Quais seriam tais questões, porém? Temas historicamente difíceis: o Estado palestino seria estabelecido na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém Oriental, o que formataria o mapa anterior à Guerra dos Seis Dias, de 1967. O governo israelense, porém, tem dificuldades políticas internas para ceder Jerusalém Oriental. Propõe um Estado palestino desmilitarizado, presença militar por longo prazo na Cisjordânia e controle de seu espaço aéreo. Os palestinos querem o fim dos assentamentos israelenses. Israel descarta voltar às fronteiras anteriores a 1967, mas se diz disposto a deixar regiões da Cisjordânia.
Tudo isso fica ainda mais complexo quando se chega ao assunto talvez mais controverso: quando Israel foi criado, em 1948, palestinos se viram obrigados a fugir. O governo israelense se recusa a aceitar a volta dos refugiados e seus descendentes. Alega que, além de não poder comportar tantas pessoas sem descaracterizar o caráter judaico de Israel, há judeus que igualmente fugiram dos países árabes no mesmo período, com a diferença, segundo os israelenses, de que foram acolhidos à nova nação.
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Enfim, depois de três anos de negociações congeladas, temas recorrentes voltarão a ser discutidos nos nove meses previstos para um acordo final. E é isso que desanima os analistas.
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Hebraica de Jerusalém, autor de livros como Roma e Jerusalém: a política vaticanista para o Estado judeu e Terras por Paz, Terras por Guerra, o argentino Julián Schvindlerman tem dado conferências sobre o acordo de paz e outros temas relativos ao Oriente Médio. Em entrevista a Zero Hora, ele se mostra cético justamente pela repetição de assuntos:
– As chances são incertas. Palestinos e israelenses negociam há duas décadas um acordo de paz sem êxito. Em setembro, se cumprirão 20 anos do acordo de Oslo, de 1993, e, ainda assim, as partes continuam abordando os mesmos temas.
E lembra os conflitos ocorridos nessas duas décadas, acrescentando a mudança na geopolítica local, que não seria favorável a um acerto:
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– A conjuntura regional mudou substancialmente. Israel perdeu os laços estáveis que mantinha com seu sócio, o Egito, e com o inimigo não agressivo, a Síria. E a Jordânia, país aliado, está afetada pela crise síria. Os palestinos padecem de fortes divisões internas. Estão divididos em duas sub-entidades, Gaza e Cisjordânia, com dois governos diferentes e em conflito.
Autoridades mandam recados a opositores
No comunicado de que estavam reabertas as negociações, Kerry tinha ao lado Tzipi Livni, ministra da Justiça de Israel, e Saeb Erekat, negociador-chefe palestino. Os dois concordaram em negociar por nove meses. Mais: tudo será mantido sob sigilo. Só Kerry estará autorizado a se manifestar.
Livni e Erekat aproveitaram para dar recados a seus adversários internos. A israelense pontuou, referindo-se à ala mais conservadora do gabinete de centro-direita: a história “é feita pelos realistas, os que não têm medo de sonhar, e seremos essas pessoas”. O palestino, em clara mensagem ao grupo islâmico Hamas (que governa a Faixa de Gaza), disse, por sua vez, que “ninguém irá se beneficiar mais de um acordo do que os palestinos”, pois “é chegada a hora de termos um Estado independente.”
JULIÁN SCHVINDLERMAN, especialista em Oriente Médio, diz “não compartilhar do otimismo” americano, mas crê que o fato de o governo israelense ser conservador pode legitimar um acordo.
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“Ocorreu com (Menachem) Begin no Egito. Mas essa coalizão abarca demasiadas e diferentes ideologias. Teremos de ver como se conciliarão as posições. (…) Netanyahu tem fama de ser duro e pragmático, e é importante que muitos israelenses confiam no seu critério para preservar a segurança no caminho da paz.“
Acompanhe como e quando foram as últimas tentativas, com a participação dos Estados Unidos, para promover negociações de paz entre israelenses e palestinos: