Há mais de três décadas interditada e ainda longe de ser reaberta ao trânsito, a Ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, já concentra um gasto de R$ 563 milhões em recursos públicos. O período abrange 11 governadores estaduais e 16 contratos. Os dados resultaram de uma investigação do Ministério Público de Contas (MPTC), que encaminhou os documentos para o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e pediu providências como a criação de um plano de contingência e o aviso aos moradores dos arredores da estrutura de que há perigo iminente e risco de um colapso.
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Em fevereiro MPTC já investigava desperdício na ponte
Os quatro obstáculos que cercam a restauração da Hercílio Luz
Na soma estão os valores dos contratos firmados pelo governo estadual para manutenções emergenciais e restauração do principal cartão-postal da capital catarinense, além de financiamentos e potencial prejuízo causado ao município pela não utilização da estrutura.
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O MPTC também comparou os gastos com os de obras semelhantes. A Ponte de Laguna, com dois quilômetros de extensão a mais que a Hercílio Luz, custou R$ 597 milhões. Já a ponte JK, em Brasília, foi erguida com R$ 160 milhões que, corrigidos para hoje, chegaria a R$ 360 milhões, mesmo com as suspeitas de superfaturamento que recaem sobre o projeto.
O procurador Diogo Ringenberg, responsável pelo trabalho, afirma no documento que “os valores até então investidos na manutenção e recuperação da estrutura, muito pouco repercutiram em favor da sociedade catarinense. Depois de tantos anos e muito dinheiro público comprometido, nada mudou. A precariedade da conservação da ponte é potencialmente a mesma de 1980”. Adiante arremata: “É forçoso concluir que a gestão pública das obras destinadas a devolver ao uso a ponte é fortemente marcada pelo irrazoável e ilegítimo”.
Consta também na ação que a ponte, desde sua concepção na década de 1920, já era um “sorvedouro” de verba pública, pois o valor de sua construção só foi quitado em 1978, meio século após sua inauguração. O custo total da construção teria representado o dobro do orçamento do Estado na época.
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Risco de colapso e medidas cautelares
No documento, o procurador argumenta pela necessidade urgente de duas medidas de prevenção em caso de colapso da estrutura. A primeira delas determina que as pessoas que morem ao redor da ponte, bem como os estabelecimento comerciais ali alocados, sejam oficialmente notificadas por escrito sobre o risco de desabamento da estrutura.
A segunda medida determina que o Estado de SC formule um plano de contingência para o caso de desabamento da Ponte Hercílio Luz. Segundo o procurador, o Estado tem exemplos negativos trabalhos emergências, como o do apagão em 2003 em Florianópolis, após a explosão de um cabo de energia na ponte Pedro Ivo, que deixou a cidade durante uma semana no escuro.
O procurador se baseou em estudos realizados pela Associação Catarinense de Engenheiros e declarações de empresas que trabalharam na ponte, além do próprio Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra), que já advertiram para a possibilidade de um colapso.
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Mas os avisos não são recentes. Uma carta enviada ao governo estadual em 1982, escrita pela empresa americana responsável pela construção da Hercílio Luz, a Steinman Boynton Gronquist & Birdsall, advertia que o reparo na barra de olhal (causa inicial da interdição) não era suficiente para restaurar a estabilidade da ponte. A empresa determinava também medidas como monitoramento diário, especialmente em dias de tempestade, remoção das pessoas que moravam ou trabalhavam ao redor e ações de proteção ao tráfego.

Sobre a existência de um plano de ação em caso de colapso, ou até mesmo de notificação antecipada aos moradores do entorno sobre a segurança da ponte, o diretor da Defesa Civil de Florianópolis, José Cordeiro Neto, afirma que o órgão não trabalha hoje com a hipótese de colapso. Segundo ele, também, notificar os moradores não está previsto. A Secretaria de Defesa Civil do Estado foi procurada, mas informou que a responsabilidade por um plano de segurança em relação à ponte Hercílio Luz é da entidade municipal.
O Deinfra, por meio de assessoria de comunicação, afirmou que todos os esforços e recursos do poder público dispensados na ponte são direcionados para a preservação da estrutura enquanto patrimônio histórico tombado. O órgão lembra também que o trabalho emergencial que está sendo realizado pela Empa – responsável por erguer as quatro torres de sustentação inferior – serve como prevenção para o caso de um possível colapso.
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O que dizem o governador e ex-governadores:
Henrique Helion Velho de Córdova (1982-1983)
Assumiu o governo do Estado em maio de 1982, quatro meses após a interdição da ponte, quando Jorge Konder Bornhausen renunciou para concorrer ao Senado. Está afastado da vida pública. Não foi localizado nos telefones que constam como sendo do ex-governador em Florianópolis e em São Joaquim.
Esperidião Amin Helou Filho (1983-1987 e 1999-2003)
Foi eleito pelo voto popular nas duas oportunidades em que governou o Estado. Atualmente é deputado federal. O deputado defendeu que se investigue qualquer irregularidade, mas disse que se mantém tranquilo e que está perplexo com o que chamou de “confissão de desídia” – negligência – do MPTC, por ter permitido o gasto de R$ 500 milhões ao longo de 33 anos sem fiscalizar adequadamente.
– Sempre acreditei que já tinha sido fiscalizado nos investimentos na ponte. Onde estava esse fiscalizador nos últimos 33 anos? Se vão começar a investigar agora, a primeira coisa a fiscalizar é o próprio fiscalizador – declarou.
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Pedro Ivo Campos (1987-1990)
Morreu em 27 de fevereiro de 1990, vítima de câncer
Casildo Maldaner (1990-1991)
Era vice de Pedro Ivo Campos e assumiu em 28 de fevereiro de 1990, com a morte do governador eleito. Atuou como senador até 2014. Não foi localizado até o fechamento desta edição.
Vilson Pedro Kleinübing (1991-1994)
Renunciou em 1994 para concorrer ao Senado. Morreu em 1998, vítima de câncer
Antônio Carlos Konder Reis (1994-1995)
Assumiu após a renúncia de Vilson Kleinübing. Aos 90 anos e com a saúde debilitada, atualmente está afastado da vida pública. Não foi localizado até o fechamento desta edição.
Paulo Afonso Evangelista Vieira (1195-1999)
Deixou a vida pública em 2007, depois de um mandato de deputado federal.
O ex-govenrador afirmou que, em sua gestão, as obras foram concentradas apenas na manutenção da ponte para evitar risco de quedas. Disse estar tranquilo sobre qualquer possibilidade de investigação de irregularidades, destacando que os investimentos sempre estiveram dentro do previsto.
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Luiz Henrique da Silveira (2003-2006 e 2007-2010)
Morreu em 10 de maio de 2015, vítima de um infarto. Exercia o mandato de senador.
Eduardo Pinho Moreira (2006-2007)
Assumiu quando Luiz Henrique renunciou para se dedicar integralmente à campanha de reeleição. É o atual vice-governador de SC. A assessoria de Pinho Moreira informou que ele estava em viagem e, por isso, com difícil comunicação nesta segunda-feira. Não houve retorno às ligações no celular pessoal do vice-governador até o fechamento desta edição.
Leonel Pavan (2010)
Assumiu entre março e dezembro de 2010, quando Luiz Henrique renunciou para se candidatar ao Senado. Atualmente é deputado estadual. Em contato com a assessoria do deputado no fim da tarde, a reportagem foi informada de que Pavan falaria até as 21h desta segunda-feira, mas não houve retorno até as 22h, horário de fechamento da edição.
Raimundo Colombo (2011-)
Atual governador do Estado, Colombo informou, via assessoria de imprensa, que as obras da fase Ponte Segura estão dentro do cronograma estabelecido e que ainda aguarda posição da empresa Empa sobre a obra da restauração da Ponte Hercílio Luz. Também reforçou que seu governo fez o maior investimento da história para recuperar a estrutura e que os custos também estão dentro do orçamento previsto.
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* Com colaboração de Victor Pereira e Janaina Cavalli