Quando a BMW anunciou que a sua primeira fábrica de automóveis no Brasil, cuja inauguração está confirmada para esta quinta-feira, seria instalada em Araquari, no Norte catarinense, algo começou a mudar na cidade. A expectativa em torno do início das operações da montadora foi crescendo a cada dia. Não pelo produto em si, que poucos terão condições de comprar, mas pelo orgulho que a BMW gera nos moradores.
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A presença da empresa alemã mexe com a autoestima do município e traz a esperança de um novo patamar de desenvolvimento e de oportunidades profissionais.
Jovens que acabaram de completar 18 anos, senhores aposentados, estudantes e centenas de profissionais _ desempregados ou não _ saíram de casa ao amanhecer para enfrentar filas que dobravam o quarteirão em um dos feirões de emprego promovidos pela BMW. Com o currículo embaixo do braço, ansiavam por uma vaga na empresa sem nem mesmo saber ao certo o que fariam lá dentro.
A euforia pela BMW ultrapassa os limites do município _ e é vista como uma conquista histórica do Estado de Santa Catarina. Para a pequena cidade de cerca de 30 mil habitantes, contudo, ela é um verdadeiro marco e consolida a expansão industrial, que ganhou impulso nos últimos cinco anos com a chegada de empresas como a Franklin Electric, fabricante de motobombas; a Durín, que produz soluções em plástico; a Global Housing, do ramo da construção civil; a Fort Lev, fabricante de reservatórios de água; e da multinacional Hyosung, fabricante de fios de elastano.
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Entre caranguejos e indústrias
Ao contrário da vizinha Joinville, Araquari não carrega uma história ligada à indústria. A unidade do Sistema Nacional de Emprego (Sine) chegou à cidade apenas em 2008. Antigamente, o sustento advinha da agropecuária e da pesca. Quando a atividade industrial ainda não era forte, era comum trabalhadores abandonarem seus empregos para pegar caranguejo no mês de novembro, época em que a captura do crustáceo é permitida.
A população leva uma vida pacata. De colonização açoriana, Araquari preserva as tradições folclóricas e não vive preocupada com a segurança. Nos finais de semana, as principais distrações são o futsal, a missa e as festas da igreja. No calendário anual, as festas do Maracujá e do Senhor Bom Jesus são as mais esperadas.
O prédio mais alto tem quatro andares e abriga o único hotel da cidade. O semáforo ainda não chegou e será motivo de comemoração quando for instalado, brinca o secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão, Josué Vieira.
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A coadjuvante quer ser protagonista
A Prefeitura ainda é quem mais emprega em Araquari, com cerca de mil servidores, seguida do Grupo Sinuelo, empreendimento comercial e de serviços presente na cidade desde 1970. Quando a BMW alcançar a marca de 1,3 mil empregos diretos, no auge de sua produção _ o que está previsto para ocorrer a partir do segundo semestre de 2015 _, confirmará a posição de maior empregadora do município.
Próxima de localidades de destaque no campo econômico, Araquari não encontra muitas oportunidades de brilhar. Fica a pouco mais de 20 km da portuária São Francisco do Sul e de Joinville, a maior cidade do Estado e que até hoje emprega moradores de Araquari em suas tradicionais indústrias. Ironicamente, boa parte dos funcionários da BMW mora em Joinville. Ter conquistado uma fábrica cobiçada em todo o Brasil significa, para as lideranças locais, passar da condição de coadjuvante para a de protagonista, uma sensação de que a vez de Araquari finalmente chegou.
‘Que estrangeiro vai vir aqui?’
O único hotel na região central de Araquari é fruto de um antigo projeto do casal Claudete e Ludgero Jasper. Os dois começaram a construir o estabelecimento em 2004 e concluíram a obra em 2013, quando os recursos permitiram.
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_ Sempre soube que Araquari daria certo _ diz Ludgero.
O casal apostou corretamente no crescimento do município, mas se equivocou ao não prever serviço bilíngue.
_ Que estrangeiro vai vir aqui? _ perguntou a si mesmo o empresário no início do projeto.
Desde que o hotel foi inaugurado, já se hospedaram no local coreanos, bolivianos, americanos, holandeses, suecos, chineses e alemães, fruto da movimentação de empresas que se instalaram na cidade nos últimos anos. A filha do casal fala inglês fluente e é ela quem socorre a família nas situações mais difíceis.
De três meses para cá, profissionais ligados direta ou indiretamente à fábrica da BMW já são responsáveis por 50% da lotação do hotel. Mais de dez empresas envolvidas na obra passaram pelo estabelecimento. Nesse ritmo, o casal sabe que só a filha não dará conta da demanda. Por isso mesmo, o estabelecimento já pensa em incrementar o suporte nesta área.
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Em Araquari desde 1970, o Grupo Sinuelo também tem recebido estrangeiros e estuda mudanças na apresentação do cardápio do restaurante para contemplar diferentes idiomas. Quando profissionais da BMW aparecem por lá, sempre há um integrante do grupo que fala português e garante o sucesso da refeição. Em breve, o tradutor não será mais preciso.
Inglês de graça para a população
Seja nos ramos hoteleiro, gastronômico e de serviços em geral, Araquari começa a perceber que os tempos mudaram e é preciso se adaptar. Um exemplo disso foi a iniciativa da Prefeitura, com apoio da Associação das Micro e Pequenas Empresas (Ampe) de Araquari, de oferecer curso de inglês de graça para a população.
As aulas de iniciação ao idioma aconteceram de setembro de 2013 a março de 2014 em instalações de cinco escolas municipais dos principais bairros da cidade e atraíram 400 pessoas. Os requisitos para participar, explica o presidente da Ampe, Gilberto Boettcher, era ser maior de 16 anos, residente em Araquari e ter concluído o ensino médio.
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_ O objetivo foi sensibilizar especialmente aqueles que podem vir a atuar na área de serviço ou turismo, pois as pessoas duvidavam da necessidade de desenvolver o segundo idioma _ diz Boettcher.
Como as aulas dependem de verbas públicas, ainda não há definição sobre a continuidade do projeto. Quem fez a primeira parte quer continuar, garante o presidente da Ampe.