Baseado em Roma desde 2000, o jornalista americano John Allen Jr. construiu ao longo dos últimos 13 anos a fama como um dos maiores vaticanistas do mundo. Analista da CNN, colaborador do New York Times e correspondente do semanário National Catholic Reporter, também é autor de dois livros sobre Joseph Ratzinger (o primeiro, anterior ao seu pontificado). Outra de suas obras – Conclave, publicado no Brasil em 2003 – ajuda a entender os meandros da eleição para a escolha do papa.
Continua depois da publicidade
Em entrevista ao Diário Catarinense, por telefone, Allen falou sobre o clima no Vaticano após a renúncia de Bento XVI, citou dois candidatos favoritos para sucedê-lo e praticamente descartou as chances do cardeal catarinense João Braz de Aviz:
Diário Catarinense – Você já disse que, diferentemente do conclave de 2005, não há um grande favorito para se tornar papa agora. Mas quem, na sua opinião, leva vantagem?
John Allen Jr. – É muito difícil responder. Mas tem dois cardeais que exatamente agora estão começando a ganhar mais atenção. Trata-se do italiano Angelo Scola, arcebispo de Milão, e do canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos.
Continua depois da publicidade
DC – Algum dos cinco cardeais brasileiros tem chance?
Allen – Claro. Acho que Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, merece atenção. Muitos cardeais procuram por alguém com experiência pastoral, que tenha liderado uma grande arquidiocese. E São Paulo é uma das maiores e mais complexas arquidioceses do mundo. Por ter descendência alemã, ele pode ser visto também como alguém que una o Novo e o Velho mundos. O ponto negativo é que muitos cardeais não o conhecem bem.
DC – E quanto a dom João Braz de Aviz?
Allen – Tudo o que posso dizer é que desconheço quem fale seriamente do cardeal Braz de Aviz como um possível candidato.
DC – Ele é de Santa Catarina, tem gerado alguma expectativa.
Allen – Sério? Olha, eu gosto do cara, não me entenda mal. O problema é que ele não veio faz muito tempo para Roma. Então ainda não gerou uma impressão profunda nas pessoas.
Continua depois da publicidade
DC – Passados já vários dias desde a renúncia de Bento XVI, como você descreveria o clima agora no Vaticano?
Allen – Acho que o clima ainda é de choque. Porém, ao contrário do que possam dizer em público, algumas pessoas no Vaticano não ficaram nem um pouco felizes com a renúncia. Elas acham que de certa maneira Bento XVI comprometeu a majestade do cargo. Por outro lado, não noto nenhuma evidência de crise. Acredite: muitos já estão especulando sobre quem será o próximo papa, exatamente como você e eu.
DC – E já há grupos formados?
Allen – Eles não precisam formar grupos, porque na prática já atuam um pouco em grupos. O que pesa mais é quem é amigo de quem. Há muitos que foram amigos por uma vida inteira, então atuam mais próximos um do outro.
Continua depois da publicidade
DC – Uma extensa reportagem do jornal italiano La Repubblica atribuiu a renúncia do Papa a um relatório interno que fala de um lobby gay dentro do Vaticano. O que você achou?
Allen – Sou cético. Os italianos têm uma tendência a acreditar em qualquer teoria da conspiração. Não duvido que existam, como já foi mostrado, pessoas no Vaticano com uma espécie de vida dupla (o conselheiro Angelo Balducci foi afastado em 2010, após ser flagrado em conversas telefônicas solicitando companhia masculina dentro dos muros da Santa Sé). Mas a noção de que isso possa estar organizado como um grupo e que esse grupo esteja diretamente relacionado à decisão do Papa em renunciar me parece exagerada.
DC – Qual será a influência no conclave do episódio de vazamento da correspondência privada de Bento XVI, chamado de Vatileaks?
Continua depois da publicidade
Allen – Terá muita influência. Já existe entre muitos cardeais a noção de que o lado administrativo desse papado foi fraco. Houve muitas falhas no pontificado de Bento XVI, erros que deixaram as coisas um pouco fora do controle nos últimos oito anos. Os cardeais devem procurar no próximo pontífice alguém que assuma pessoalmente o controle de governo e reforme a burocracia do Vaticano.
DC – É plausível pensar em um papa que mude a posição da Igreja em relação a temas como o casamento gay?
Allen – Não acho que quem quer que seja o próximo papa vá mudar o conteúdo dos ensinamentos da Igreja. O que pode acontecer é uma mudança de tom. Um exemplo: digamos que o próximo papa se sente com alguns jornalistas para responder a uma pergunta sobre casamento gay. Uma maneira de responder seria dizer: “Casamento gay é um câncer moral”. Outra maneira seria: “A posição da Igreja sobre o assunto é conhecida, mas o que quero agora é dar uma mensagem ao mundo de amor a todos”. No conteúdo, é a mesma mensagem. Mas o tom é muito diferente. Pensar em um papa assim é mais realista.
Continua depois da publicidade
DC – E os cardeais vão discutir temas como esse?
Allen – Não. Essa não é a eleição de um presidente. Eles não debatem temas. Eleição de papa tem mais a ver com personalidade, caráter ou perfil pessoal. Acho que os fatores que eles levarão em conta podem ser resumidos em três. Primeiro, alguém que tenha uma visão global. Eles sabem que dois terços dos católicos estão nos países em desenvolvimento e querem alguém que preste atenção nisso. Segundo, vão procurar alguém que seja um bom missionário, para levar a mensagem da Igreja ao mundo. E terceiro, como já disse, buscarão alguém que governe, que assuma o controle do Vaticano e faça-o funcionar.
Os favoritos segundo John Allen Jr:
Angelo Scola
Tem 71 anos e é italiano. Tornou-se cardeal em 2003. Desde 2011, é arcebispo de Milão.
A FAVOR
– É da linha de Bento XVI, mas com um toque mais popular e carismático.
– Como italiano, conhece as políticas internas do Vaticano.
– Tem ampla experiência pastoral, não sendo um burocrata de carreira.
CONTRA
– Como italiano, está no meio de disputas que dividem a Igreja naquele país.
– Pode ser visto como um papa de continuidade, num momento em que se discutem
mudanças.
– Alguns cardeais acham que a Igreja deve buscar maior internacionalização, o que prejudica um nome italiano.
Marc Ouellet
Tem 68 anos e é canadense. Tornou-se cardeal em 2003. Desde 2010, é prefeito da Congregação para os Bispos, no Vaticano.
Continua depois da publicidade
A FAVOR
– É um intelectual, com amplo conhecimento cultural e teológico.
– Fala seis idiomas (incluindo português).
– Serviu como padre na Colômbia, nos anos 70 e 80, o que o aproximaria da América Latina.
CONTRA
– Seria uma “fotocópia” de Bento XVI, muito cerebral e pouco comprometido em mudar
administração do Vaticano.
– Em 2011, disse que seria um “pesadelo” se tornar papa, o que pode levar alguns cardeais a questionar se ele realmente tem a energia para a missão.
– Muitos cardeais falam em um papa missionário, que atue na linha de frente da nova evangelização, e a eles Ouellet pode parecer um pouco retraído.