Uma autuação por desacato contra policiais militares de Joinville, que ocorreu na última quarta-feira e ganhou divulgação nesta quinta-feira na página do Facebook do 8º Batalhão da Polícia Militar (PM), repercutiu nas redes sociais e dividiu opiniões. Isto porque o desacato, na avaliação da PM, ficou caracterizado por uma publicação no Facebook.

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Um jovem, de 19 anos (inicialmente, a PM divulgou que ele tinha 23), que trabalha em uma revenda de veículos de Joinville, escreveu mensagens com xingamentos contra a corporação em seu perfil pessoal após ter sido autuado por dirigir um carro rebaixado. Conforme a PM, ele também participava de um racha – tradicionais corridas clandestinas de automóveis. Confirma a versão do rapaz sobre o episódio.

A matéria publicada sobre o caso por “AN” já teve mais de cem compartilhamentos na rede social. Alguns internautas apoiaram a atitude da polícia, mas boa parte considerou exagerada a reação.

-Era só o que faltava. Cadê os nossos direitos de expressão. O Brasil está cada vez pior. Se fosse alguém lá do Senado, iam fingir que não viram. Começo a ter vergonha de ser brasileiro-, escreveu um leitor.

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-Uma coisa é ter livre arbítrio, outra é achar que pode xingar os outros e passar em branco-, opinou outro usuário.

Mensagens deletadas

O subcomandante do 8o Batalhão da Polícia Militar, Jofrey Santos da Silva, defendeu a ação dos policiais e disse que o “desacato ficou comprovado”.

-O crime ocorre da mesma forma que se tivesse acontecido presencialmente. Foi assinado um termo circunstanciado e o cidadão será intimado pela Justiça para dar satisfações-, explicou.

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Após a autuação, o jovem apagou as mensagens escritas, provavelmente para evitar algum tipo de represália. “AN” teve acesso às publicações e comprovou o uso de palavras agressivas contra a PM.

A reportagem fez contato telefônico com a família do rapaz pelo menos quatro vezes nesta quinta-feira, na tentativa de ouvir a versão dele. Em duas delas, uma mulher atendeu e disse que ele não estava em casa. Mais tarde, o telefone apenas tocou e a ligação foi perdida.

Para defensora pública, não é crime

A reportagem procurou a defensora pública estadual Ana Carolina Dihl Cavalin, que atua em Joinville, e pediu a avaliação dela sobre o crime de desacato. Segundo a defensora, o texto legal exige que a conduta seja direcionada a funcionário público determinado.

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Ou seja, não configura desacato a ofensa a uma instituição pública de forma genérica. “AN” enviou à defensora o trecho da mensagem publicada nas redes sociais pelo acusado.

-No caso concreto, pelo trecho que li, apesar de haver expressões grosseiras com palavras injuriosas, em nenhum momento houve o direcionamento da ofensa para um policial determinado, assim, no meu entendimento, não estaria configurado o crime neste requisito-, aponta.

Ainda conforme a defensora pública, apesar de o Código Penal prever o crime de desacato, o entendimento dela é de que a sua aplicação viola a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “tratado internacional que o Brasil assinou e incorporou com força de lei”.

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-Entendo que aquele que abusar da liberdade de expressão até pode responder por injúria, se partir para a ofensa pessoal, mas jamais por desacato à “autoridade”, crime que deveria ser expressamente extirpado da legislação penal e de todas as placas que são afixadas em repartições públicas-, argumenta.

Policial se sentiu ofendido

Ao saber da publicação no Facebook, o sargento da PM de Joinville, Ivonei Polsin, se deslocou até a casa do jovem, na manhã desta quinta-feira, e o pediu para assinar um Termo Circunstanciado – crime de menor relevância – por desacato a funcionário público.

Polsin estava trabalhando com outros dois policiais quando abordou o vendedor na quarta-feira, no bairro Bom Retiro, em Joinville.

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Segundo ele, o veículo de propriedade do acusado participava de um racha e o motorista, no caso o jovem, estava com a carteira de habilitação vencida. Ao chegar na casa do acusado, o discurso mudou e o jovem disse ao policial que não queria ofender ninguém.

-Ele afirmou que não queria ter feito aquilo, que estava arrependido, mas fez. Me senti ofendido, até porque foram citados familiares. Alguns policiais também ficaram chateados e vão processá-lo e pedir reparação por dano moral-, declarou.

Polsin reiterou que tentou resolveu a situação de maneira cordial, orientando o jovem a não agir dessa forma, pois a repercussão poderia ser ainda maior. Ele lembrou que o acusado tem todo o direito de se defender na justiça e que caso se sinta prejudicado pelo modo como foi abordado pela PM, pode registrar um Boletim de Ocorrência e solicitar processo de investigação na Corregedoria da PM de Joinville.

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-O que ele fez foi errado e eu achei que deveria tomar uma atitude-, disse Polsin.

De acordo com o sargento da PM de Joinville, pelo menos outros dois casos, de igual teor e agressão pela web, aconteceram na última semana em Santa Catarina: um deles foi identificado em Piçarras e outro em Biguaçu.