Com pouca roupa, ousadia e flores no cabelo, Gal Costa quebrava tabus sobre a sexualização das mulheres nos anos 1970 ao tomar o violão e, sozinha e de pernas abertas, encarar do palco a plateia ansiosa para quebrar paradigmas e também os conservadores de plantão. O frescor tropicalista e a cara de pau fizeram da baiana, 40 anos depois, a musa inspiradora de Assucena Assucena, Rafael Acerbi e Raquel Virgínia, integrantes da novíssima banda As Bahias e a Cozinha Mineira, formada por duas mulheres trans. Com o recém-lançado disco Mulher, já celebrado pela crítica, o grupo de São Paulo se apresenta pela primeira vez em Florianópolis neste sábado, na Casa de Noca, um dia depois do Dia Nacional da Visibilidade Trans.

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Além do movimento tropicalista, Milton Nascimento e o Clube da Esquina reforçam o conceito sonoro do grupo, que bebeu na fonte da tradição mirando a contemporaneidade. O resultado é um trabalho bem brasileiro, original e multifacetado, que passeia pelo samba e funk brasileiros, o axé, o soul e o rock em canções bem arranjadas pelo mineiro Rafael Acerbi. Mais que apenas ritmo, harmonia e melodia, as letras, tão pertinentes hoje em dia, são uma teoria sobre a história das mulheres na sociedade e a inolvidável opressão masculina.

Mulher, título do álbum, coincidentemente foi sendo produzido no momento em que Assucena e Raquel, mulheres transexuais, foram revelando a própria identidade. Assucena, baiana de nascimento, e Raquel, paulistana mas baiana de coração, tinham o mesmo apelido, Bahia, e conheceram o mineiro Rafael Acerbi na Faculdade de História da Universidade de São Paulo (USP), uma das mais tradicionais do Brasil.

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Ouça abaixo o álbum completo:

As canções debatem questões de gênero, falam do cotidiano das mulheres e as tantas formas de intolerância, do machismo ao racismo e homofobia.

– O feminismo é um dos movimentos mais importantes que ocorreram na história. Importante por tocar em temas como a sexualidade, a liberdade comportamental, sobre ser o que se é, a liberdade sobre o corpo. Gal é uma referência porque ela foi revolucionária – diz Assucena.

Na última quinta-feira pela manhã Raquel estava terminando de se maquiar para participar de um programa na TV. Respondeu ao telefone entusiasmada, avisando que eventualmente iria interromper a fala por alguns segundos para terminar de passar o batom. Assim como Assucena, falou da importância da visibilidade Trans.

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_ Mulher, como elemento substantivo, é vida e morte. A gente só nasce porque existe mulher. É universal, central, absoluto. Eu sou uma mulher trans, independente de ter feito ou não cirurgia. Na minha cabeça é inconcebível que isso seja relevante. O que eu sou é a minha posição política. Coloco-me na sociedade dessa forma. Independente de certas regras para classificação de gênero _ diz ela.

À margem da sociedade

Se historicamente as mulheres tiveram direitos tolhidos, na contemporaneidade há ainda muito o que fazer e discussão de gênero está só no começo – tanto que se faz necessário um Dia Nacional da Visibilidade Trans para que o preconceito um dia se esvaia.

– Dentre as transexuais, 90% estão nos espaços de marginalidade social. São expulsas de casa, caem na prostituição. É raro ver trans nas universidades, trabalhando. E esses são lugares possíveis. É preciso lutar. Normalmente elas são ridicularizadas, alvo de chacota – lamenta Assucena.

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Confundida em incontáveis situações com garotas de programa, Raquel conta que já aconteceu de ela paquerar um homem e ele responder que não tinha dinheiro:

– Esse é o lugar comum das trans. Acham estranho quando vamos no banco, na farmácia.

Talento, coragem e disposição para lutar e conquistar direitos a banda tem. Com batom e flores no cabelo, como Gal.

AGENDE-SE

O quê: show com As Bahias e a Cozinha Mineira

Quando: sábado (30/1), a partir das 22h

Onde: Casa de Noca (Avenida das Rendeiras, 1.176, Lagoa da Conceição, Florianópolis)

Quanto: R$ 20 até a meia-noite. Depois R$ 25. Ingressos à venda no local. Informações: (48) 3238-5310

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