Há poucos dias do transplante de rim, a expectativa de Elisiel Silveira só aumenta. Terça, no comecinho da tarde, ele e a irmã Elizia Silveira, que será a doadora do órgão, deram entrada no Hospital Municipal São José, para passar pelos últimos exames antes da cirurgia, que será realizada na sexta-feira.

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Com envelopes nas mãos, repletos de exames já realizados, e malas com as roupas necessárias para passar uma pequena temporada no hospital, eles entraram no quarto confiantes. Para Elizia, a recuperação promete ser rápida. Dois dias após a cirurgia, ela deve receber alta.

Já Elisiel deve permanecer hospitalizado por pelo menos duas semanas. Isso porque, para evitar a rejeição do órgão, os médicos ministram imunossupressores, medicamentos que diminuem as defesas do organismo, e essa queda de imunidade sempre aumenta o risco de infecções. Por isso, os próximos dois meses prometem exigir de Elisiel uma série de cuidados especiais com a saúde.

– Durante dois ou três meses, não se recomenda comer nenhum alimento cru, além disso, o paciente deve evitar locais com muita gente, como shows -, orienta a coordenadora do setor de transplantes da Pró-Rim, Luciane Deboni.

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Elisiel deve ser o 1.035º paciente a passar por um transplante de rim em Joinville (que realiza a cirurgia de 1978). Será o 49º paciente transplantado deste ano, sendo que faz parte de uma minoria.

Atualmente, menos de 40% dos paciente que passaram por um transplante de rim receberam o órgão de um doador vivo, que precisa ser necessariamente da família (parente de 1º ou 2º grau). Isso, porque nem sempre o doente renal encontra um doador compatível disposto a doar, e nestes casos a solução é aguardar na fila por um transplante de doador cadáver.

Para se ter uma ideia, dos 48 transplantes realizados este ano, 39 pacientes receberam o órgão de um paciente que teve morte cerebral, e 50% de todos os transplantados, como Elisiel, vieram de outro estado para fazer a cirurgia em Joinville, uma das quatro cidades de Santa Catarina a oferecer o procedimento – Blumenau, Florianópolis e Chapecó também possuem hospitais credenciados para realizar a cirurgia.

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Joinville já é o 7º centro mais ativo do país na realização de transplantes de rins, e o único fora de capital. Além disso, ao lado de Blumenau, Joinville está entre as cidades que mais capta órgãos por meio de doação, o que auxilia o Estado a estar no topo do ranking das captações, proporcionalmente ao número de habitantes.

Segundo a coordenadora do setor de transplantes da Pró-Rim, desde 2005, o número de transplantes vem aumentando a cada ano, em cerca de 10% na cidade.

– Ano passado, foram realizados 106 transplantes de rim, e este ano a meta é chegar a 120 -, diz Luciane Deboni. E isso vem diminuindo gradativamente também o tempo de espera por um transplante.

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Hoje, 358 pacientes estão na fila do transplante e o tempo de espera é de aproximadamente dois meses.

– Em São Paulo, há mais de 10 mil pessoas na lista e o tempo médio de espera é de cinco anos, e a mortalidade entre pacientes que estão há cinco anos fazendo hemodiálise chega a 50%, por isso a importância de realizar o quanto antes o transplante -, compara a especialista.

Cada vez mais córneas doadas

E não é só em transplante de rim que Joinville é referência. O número de transplantes de córneas realizados no município também vem aumentando ano a ano. Até terça, foram realizadas 158 captações, que resultaram em 126 transplantes, sendo que 52% dos transplantes foram realizados em Joinville, no hospital São José (que atende pelo SUS) e no Sadalla Amin Ghanem (clínica particular).

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O gestor administrativo do Banco de Olhos de Joinville, Julio César Vieira, explica que nem todas as córneas acabam sendo transplantadas, porque nem todas passam pela avaliação médica.

– Em alguns casos o paciente tem alguma doença, como hepatite, que não foi detectada antes da captação, e nestes casos normalmente a família autoriza a doação da córnea para uso em estudos -, explica.

É o Banco de Olhos que realiza o trabalho de captação das córneas, e a entidade, que funciona dentro do hospital São José, conta com uma integrante especial na equipe. Sirlei Martins Grawe, de 43 anos, há 21 anos passou por dois transplantes de córnea.

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Na época, devido a uma doença chamada Cerotone, ela chegou a ter apenas 20% da visão. Mas graças ao transplante, voltou a enxergar bem e resolveu retribuir, de alguma maneira a ajuda.

Ela cursou enfermagem e hoje é a enfermeira responsável por captar córneas, um trabalho que começa com a difícil abordagem dos familiares que acabaram de perder um ente querido.

– Lutamos contra o tempo, porque a retirada das córneas precisa ser feita até seis horas após o óbito -, diz.

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Por isso, Sirlei reforça a importância dos doadores comunicarem à família o desejo de dor os órgãos.

– Quando a pessoa já falou sobre o assunto com a família, é sempre mais fácil -, diz.

– A abordagem das famílias é sempre triste, mas é gratificante depois poder avisar um paciente que chegou a vez dele de passar pelo transplante -, diz Sirlei, que procura usar o exemplo pessoal.

– Eu sou a prova viva da importância de doar -, brinca a enfermeira, que há cinco anos trabalha no Banco de Olhos.

Transplante de fígado é desafio

Além do transplante de rim e de córneas, Joinville também está habilitada, desde 2010, a realizar transplantes de fígado. Mas o número de cirurgias ainda é pequeno no município. No ano passado, foram realizados apenas três transplantes, e este ano, nenhuma cirurgia foi realizada com sucesso.

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– Chegamos a receber um fígado para transplante, mas a paciente, vítima de uma hepatite fulminante, morreu antes de passar pela cirurgia -, conta a supervisora da unidade de transplantes do Hospital Municipal São José, Liliane Azevedo.

Atualmente, cerca de 10 pacientes estão na fila por um transplante em Santa Catarina, número que deveria ser muito maior. Segundo o médico responsável pela equipe de transplante de fígado, Christian Evangelista Garcia, o que falta é os pacientes terem acesso à equipe de transplante.

– Como é um sistema público, o caminho para esse doente chegar à lista do transplante às vezes é longo -, diz o cirurgião.

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O médico ressalta ainda que no caso das doenças hepáticas, não há a alternativa da diálise, como é o caso do rim, então, a mortalidade é muito grande, e o transplante é realmente a única saída.