Eu schimio, tu schimias, ele schimia… Existem verbos que só quem é de Blumenau, por nascimento ou adoção, aprende a conjugar desde criança. Para quem começou a ler esse texto e não sabe do que estou falando, vou dar uma colher de chá: significa passar muss no pão. Não sabe o que é muss? É Marmeladen, oras! Piorou? Ok, eu entrego: estamos apenas falando de geleias. No Vale do Itajaí, usamos a receita dos doces na fala: misturamos um pouco de cada língua sem nem saber que estamos fazendo isso. Repetimos o que a vó dizia, o que a tia contava, o que os vizinhos ainda falam pelas ruas.
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Por falar nisso, foi assim que uma vizinha minha, do tempo que eu vivia em Blumenau, ganhou um novo nome. Ela se chamava Apolônia e casou-se com o Herr Müller de quem eu, na verdade, nunca soube o primeiro nome. A família sempre foi dona de comércio nas redondezas da casa da minha mãe, no comecinho da Rui Barbosa. Na nossa rua, naqueles tempos, muita gente falava só alemão e, por isso, ela logo virou a Frau Müller. Quando eu nasci ela já era avó e cuidava como ninguém das flores do quintal. Cumprimentava a vizinhança toda, tinha com o marido uma horta de alfaces famosa. Quando os vizinhos novos foram chegando, a tradução de Frau para senhora se perdeu em algum ponto até que passei a ouvir com frequência: vou lá na Dona Fraumila comprar verdura…
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Essas danças da língua embalaram muitas palavras do Vale, mas tem uma que volta e meia tento desvendar de onde veio: mondabi. Conhece? Já ouviu falar? Já comeu? É amendoim, para muita gente que jura de pé junto que está falando alemão. Mas na Alemanha do lado de cá do oceano, amendoim é Erdnuss… Bom, meu marido achou que era piada: chegou em uma padaria de Pomerode e pediu uma cuca de mondabi, coisa que ele nem gostava ou queria. Quando o vendedor sorridente serviu o prato, ele teve que engolir cada farelo da pouca crença.
Mas essa não é a única particularidade do alemão que se fala no Vale. Há quem diga que de tão peculiar ele deveria ser considerado um novo dialeto, o Katarinisch. Nestes sete anos de Alemanha, conheci muita gente daqui que se aventurou pela nossa região e tem sempre histórias para contar sobre os desencontros linguísticos. O relato mais comum é de palavras que parecem saídas de um livro antigo, de outras que são entendidas pelas raízes do latim, que se aprende na escola aqui, ou que se traduzem por mímica.
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Nada disso, claro, tira o valor do bilinguismo de muitas pessoas do Vale. Isso, aliás, é uma enorme vantagem e precisa ser incentivado. O curioso é que até hoje há crianças que chegam à escola pouco habituadas ao português e a colonização já soma mais de 175 anos. É um fenômeno, na verdade, que atrai pesquisadores alemães e ajuda a entender uma situação bem atual do próprio país deles: os estrangeiros que seguem falando suas línguas de origem mesmo depois de várias gerações na Alemanha. Funciona como uma espécie de espelho onde os alemães podem se enxergar depois de tantos anos.
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Isso também prova que a língua é algo vivo e se transforma influenciada pelo próprio ambiente e pelo contato com outras culturas. Talvez quem vá da Alemanha para Santa Catarina não consiga entender 100% do nosso alemão do Vale ou o contrário. Mas isso não pode ser motivo para que se deixe de passar a tradição de geração para geração. As bases da língua estão lá e se minha Oma tivesse feito o favor de me ensinar, a minha vida por aqui teria sido muito, muito mais fácil. O nosso alemão pode ter ignorado as muitas reformas da língua e está longe de ser perfeito, mas é muito mais divertido que o do dicionário!
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