Eu tinha acabado de fazer nove anos quando minha mãe me levou à costureira para provar uma saia preta de cetim, rodada, curta e cheia de rendinhas e trancelins dourados. Meu cabelo batia na cintura naquela época e quando ela tinha tempo entre as aulas de arte que dava na escola pública das 7h às 22h, fazia um milhão de trancinhas para frisar aquela cabeleira toda. Depois soltava, passava a escova e me deixava sair assim pela rua, feliz da vida, sem saber que eu parecia o bruxo Ravengar da novela Que Rei Sou Eu?.
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Superei o trauma, mudei a cor do cabelo e não tenho mais a saia preta que emprestei para uma menininha anos depois e acabou se perdendo. Uma pena. Deveria ir para o museu da Oktoberfest, se existisse um. Naquele ano, era 1984, Blumenau se recuperava de uma enchente (de duas, na verdade!) e lembro do cheiro que o lodo deixou na rua XV de Novembro como se fosse hoje. O povo andava meio triste quando a primeira Oktoberfest foi lançada!
A coisa toda foi meio no improviso, uma rainha foi escolhida às pressas, acharam por bem que ela não deveria estar sozinha na carroça cheia de flores. Alguém que conhecia alguém, que era amigo do fulano, descobriu que eu existia. Foi por isso que eu ganhei a saia preta e que minha mãe me fez as trancinhas muitas vezes naquele ano: eu não era a rainha, calma! Mas fui a dama de companhia da primeira Rainha da Oktoberfest em todos os desfiles e nunca me senti mais importante na vida.
Eu tinha que sorrir, jogar beijos e acenos, tirar fotos e se fizesse isso tudo bem direitinho, minha mãe me levava no parquinho montado do lado de fora da Famosc. Naquela época a pomposa Vila Germânica não tinha nada de pomposa, era conhecida como Proeb e Famosc era apenas o nome antigo que alguns dos blumenauenses ainda usavam. Mas era um lugar mágico e em tempos em que trajes típicos ainda eram uma novidade e que ninguém estava nem aí para julgar o comprimento da saia alheia, todo mundo queria tirar uma foto comigo.
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Lembro pouco da comida, lembro pouco das bandas, não tenho nenhuma imagem de como eram decorados os pavilhões. Mas lembro do orgulho que dava ser parte de tudo aquilo. Lembro ainda de passar vergonha! Naquela época, a prefeitura trazia artistas globais para abrilhantar o desfile e, em um deles, um moço simpático foi sentado com a Rainha e comigo na carroça. Lá pelas tantas, depois de muito olhar para ele, tive que perguntar. Mas afinal, que novelas o senhor fez? Era o jornalista Celso Freitas que, na época, apresentava o Jornal Nacional…
Fui me formar em jornalismo muitos anos depois, entendam a falha infantil. Cresci contando os dias para outubro e ficava me perguntando se a centopeia ia dar conta de manobrar na rua XV com mais de dez bicicletas grudadas. Acompanhei tantas outras rainhas desfilando pelas ruas. Voltei a costureira para provar outros tantos trajes típicos e deixei a coleção inteira em Blumenau.
Vi a festa virar um mar de gente, bebi meus primeiros copos de chope por lá, comi mais batatas recheadas do que meu quadril pode testemunhar e dancei, dancei muito com o Helmut Högl e a Die Odenwälder. Participei de 24 edições ininterruptamente, até me mudar para a Alemanha e ter que me contentar com as memórias durante o mês de outubro inteiro. Até porque a Oktoberfest original é em setembro. Além da original, achei muitas outras festas e quermesses por aqui, embaladas por bandinhas, mas confesso agora, cheia de saudade: boa mesmo é a nossa!
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