A maré contrária à construção de presídios e penitenciárias nos municípios de SC encontrou um contraponto no Meio-Oeste. Um braço forte o suficiente para bater de frente com a Câmara de Vereadores e aceitar a construção não só de uma penitenciária, mas também de um presídio de segurança máxima. A prefeita de São Cristóvão do Sul, Sisi Blind (PP), é a responsável.

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DC de olho: escolha o tema que será acompanhado pelo jornal por um ano

Falta de vagas nos presídios é um dos gargalos na segurança pública

Aos 51 anos, ela termina no ano que vem o mandato sem temer que as decisões favoráveis às unidades prisionais a afetem na tentativa de voltar ao cargo. Eleita em 2012 com 124 votos de diferença em relação ao segundo colocado, Sisi administra uma cidade onde o Complexo Penitenciário da Região de Curitibanos está se tornando uma rica fonte arrecadadora de ICMS, com indústrias instaladas na cadeia.

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Mas para isso ela precisou enfrentar a posição contrária de vereadores, que passaram a ser maioria na Câmara e a rejeitar as propostas da chefe do Executivo. No último dia 26, durante a inauguração da segunda ala da penitenciária, com 599 novas vagas, Sisi falou sobre a postura de defender as unidades prisionais e sobre os benefícios que o complexo tem dado ao município. Confira:

Diário Catarinense – O Estado hoje enfrenta uma grande dificuldade por causa de cidades que não aceitam a construção de prisões. Por que a senhora resolveu acolher a proposta de construção da penitenciária?

Sisi Blind – Na verdade, a sociedade não aceita um presídio, mas porque isso foi trabalhado como questão isolada. E no meu entender, a sociedade é quem produz o criminoso e tem que resolver isso também. Se não tivermos local para colocar o detento, vamos tê-lo na sociedade. Acredito que o projeto daqui é um dos melhores até agora no Brasil. Já havia um espaço e decidimos então fazer parceria no sentido de que o município também venha a ganhar a partir da construção da unidade. Quando falo em ganhar, é dentro do processo industrial, pois se sabe o que o movimento econômico gera no município. E o nosso é pequeno, tem necessidades. Mas, acima de tudo, o projeto é de responsabilidade social.

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DC – Encontrou muita resistência?

Sisi – Continuo enfrentando, na verdade. A gente está procurando dialogar. Sempre procuro colocar minha posição com clareza. Acho que já amenizou bastante essa briga. Quando foi lançada a pedra fundamental (da unidade 2 da penitenciária, com 599 vagas, inaugurada em 26 de outubro), falei que temos duas ilhas e que precisamos construir as pontes entre elas, entre a comunidade e a penitenciária. Na comunidade há reflexo da penitenciária e na unidade também tem. Esses dias saiu um detento, assaltou uma casa e machucou uma pessoa. Só que isso não é um problema produzido só pela penitenciária. É um problema produzido pelo conjunto. E nessa linha temos que continuar conversando. Aqui tem espaço, terreno e possibilidade. Ainda sonhamos em fazer um campo experimental de agricultura, porque a vocação inicial da unidade é agrícola, mas ela está um pouco defasada. Já conversamos com a direção para retomar essa questão e desenvolver projetos que ajudem a população.

DC – Em relação à unidade de segurança máxima em construção agora, a senhora enfrenta mais resistência. Qual é a sua posição? A senhora foi consultada e chegou a conversar com o Estado antes da ideia?

Sisi – Sim. Conversamos e recebemos do Estado o pedido de liberação de alvará. Falei com várias pessoas da sociedade. E aí tem outro entendimento também: com duas unidades do tamanho das que temos aqui em São Cristóvão do Sul, se não tivermos uma ala de segurança, como faremos com os detentos perigosos? Deixar no meio dos outros para contaminá-los? Então, o entendimento de liberar a construção da ala de segurança máxima é justamente para dar mais segurança e continuar nesse projeto de recuperação dos presos, em que acredito e é tão bacana. Se tivermos elementos do crime organizado junto com uma área de convivência, o que é que vai acontecer? Vamos perder gente. Se os isolarmos, vamos ter um processo mais tranquilo. Por isso a negociação com o Estado foi também de que se constrói a ala, mas se trabalham situações de segurança para a nossa sociedade local.

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DC – Em algum momento a prefeitura negociou contrapartidas? Houve retorno do Estado?

Sisi – Pedimos 12 itens. Pedimos a iluminação e o asfaltamento do acesso à unidade, em função de que transitam muitos caminhões por causa da indústria que funciona aqui. Por isso, a manutenção para o município é impossível. A iluminação é para dar maior segurança. O asfaltamento está em projeto e a iluminação já era para ter iniciado. Pedimos também mais efetivo nas polícias. Estamos reivindicando que a nossa delegacia tenha também um delegado, pois nós temos só um agente assumindo. Pedimos a questão do saneamento da própria penitenciária, e a nova ala foi construída com o processo de tratamento, mas a antiga ainda despeja dejetos em um rio da nossa cidade. Esses processos já têm projetos. Estamos tendo respostas. Outros têm a ver com saúde, já que desde 2014 uma portaria federal incumbe os municípios de assumirem a atenção básica dentro da unidade. Mas para São Cristóvão do Sul significa mais R$ 60 mil para manter a equipe. Conversamos com o governo do Estado e já temos uma contrapartida do financeira para nos auxiliar até que consigamos entrar no processo do financiamento federal. Está havendo parcerias.

DC – As pessoas da cidade alegam o que para a senhora? Elas têm medo?

Sisi – Medo, insegurança, revolta. A princípio também tem uma revolta de que está vindo emprego para a penitenciária, mas para a cidade não. É uma reflexão assim: as indústrias não vêm para São Cristóvão para vir na cidade, elas vêm pela mão de obra específica que tem dentro da penitenciária. Tem uma vereadora que diz que preso não deve receber para trabalhar. Mas aí voltamos para a Idade Média, ao trabalho escravo. O salário que o preso recebe é dividido em quatro: vai para ele, para a família, para o Estado e para a própria manutenção da penitenciária. Então, o que está acontecendo? Ele está trabalhando e pagando a manutenção que antes era só nossa. Está auxiliando a família. É um valor pequeno, mas auxilia. E ele está ajudando a gerência do Estado. Antes só o cidadão pagava. Hoje está tendo essa contrapartida das indústrias, que remuneram o preso.

DC – Esse modelo da penitenciária de São Cristóvão do Sul convenceu a senhora e a fez mudar de ideia sobre a receber uma unidade?

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Sisi – Com certeza, porque vimos a evolução dos processos. Acompanhei desde o início esse processo da industrialização interna, do trabalho. Já tinha a empresa Gaboardi aqui dentro. Mas ela tinha muito mais vantagens, porque era uma remuneração bem pequena e menos responsabilidade. Hoje ela tem que pagar e investir mais. Principalmente na possibilidade de o detento ter perspectiva de sair. De forma geral, o que a gente via nos presídios do país – e ainda vê – é o “entra lá dentro, joga lá e depois tira e coloca na sociedade”. Não tem pena perpétua e nem de morte. E o que acontece? A pessoa volta melhorada? Com certeza, não. Talvez igual, ou muito pior, dependendo de com quem ela conviveu. Agora, ocupando o tempo, trabalhando e tendo a possibilidade de estudar, quem sabe teremos uma sociedade com referencial diferente. Tenho esperança, ainda acredito no ser humano. Acho que isso se fez aqui.

DC – E o retorno de impostos para o município, como funciona?

Sisi – Gera o ICMS para o Estado e retorna para o município um percentual. Por exemplo, a Berlanda não tem outra empresa na cidade, somente dentro da penitenciária. Hoje ela já está gerando perto de R$ 2 milhões de recurso no movimento econômico. Não fica tudo no município, mas já vem ocupando o terceiro lugar em ICMS da cidade. Só que a primeira é a Gaboardi, que tem trabalho dentro e fora da penitenciária em São Cristóvão do Sul.

DC – Quanto do ICMS de São João Batista vem da unidade?

Sisi – Não temos o cálculo exato, mas acredito que hoje já deve estar tirando de 15% a 20% do nosso movimento econômico, do ICMS das empresas, aqui dentro. A própria Gaboardi gera aqui dentro, e tem empresas locais que estão gerando impostos aqui também. Elas são locais, têm atividade fora, mas estão com trabalho maior aqui dentro. Para a nossa cidade é interessante, já que temos uma receita bruta de R$ 1 milhão. E desse valor, uns R$ 300 mil são de ICMS.

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DC – Qual é a atual população do município?

Sisi – Contando com os presos atuais, é 5,3 mil. Com a inauguração da nova ala, vamos para 5,9 mil e teremos 27% da população de São Cristóvão do Sul formada por detentos. E ainda tem os familiares que acompanham. Temos mais de 70 famílias que vieram para o município.

DC – Depois da instalação da unidade, aumentaram os índices de criminalidade?

Sisi – Não. Tivemos um fato inédito ,que foi uma morte recentemente (causada por uma briga em um ginásio da cidade), mas normalmente nossa cidade é mais tranquila. Temos um problema sério, como outras cidades também têm, que é a questão do tráfico de drogas, pois a cidade é uma rota. Mas não acredito que seja associado à penitenciária. Pode ter alguma relação, mas não quero associar. Tivemos recentemente um preso que recebeu a saída temporária e assaltou um bar porque disse que não teria dinheiro para ir adiante. Mas aí pode acontecer em qualquer lugar.

DC – A senhora não teme que a sua carreira política seja afetada de alguma forma pelo fato de apoiar a penitenciária?

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Sisi – Sempre há um risco. Mas estou defendendo o que acredito, o que eu penso. A gente deve defender o que acredita e pensa. Se a gente omitir, também vai ser afetado. Eu estou fazendo o que a minha consciência de cidadã define que deve ser feito.

DC – A senhora recebeu apoio dentro da prefeitura?

Sisi – Dentro da prefeitura minha equipe está tranquila. Minha oposição está na Câmara de Vereadores, onde tenho minoria. Mandei duas vezes projeto para o Legislativo tentando estabelecer convênio para que os detentos possam trabalhar na limpeza urbana da cidade, por exemplo, e não passou. Curitibanos e Santa Cecília têm esse convênio, com presos que são daqui. E São Cristóvão do Sul não tem porque os vereadores não admitem. É uma questão politiqueira, não é nem política. Não querem o convênio porque poderia não resultar em algo positivo para o mandato deles. Infelizmente, isso prejudica só a cidade.