Enquanto os dedos indicadores passeiam pelo cardápio pontilhado, Roseli Terezinha Dias Rosa, 46 anos, vai decifrando o que parece ser apenas uma folha em branco aos leigos: “Queijo… Alface… Tomate… Azeite… Rúcula…”. Há pouco tempo, a situação seria diferente e a moradora de São José, cega há 20 anos, precisaria de ajuda para fazer até o pedido mais simples.
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Embora ainda seja difícil encontrar um estabelecimento que esteja adaptado aos cegos, uma lei municipal deSão José deve facilitar, nos próximos meses, a vida de quem lê com os dedos, enxerga com os ouvidos e compreende o mundo de uma forma bastante peculiar.
A determinação entrou em vigor em 13 de dezembro do ano passado, com prazo de até metade de fevereiro para a adatapção. Estabelecimentos que oferecem qualquer refeição (restaurantes, bares, lanchonetes, hotéis) devem ter cardápios completos adaptados, com pratos, preços e ingredientes impressos em braile.
O Divino Gastroclub, no centro histórico de São José, foi um dos poucos a produzir o menu imediatamente, há cerca de um mês, mas ninguém o havia solicitado antes de Roseli.
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– E eu também nunca soube de um cardápio em braile! É bom que a sociedade esteja se preocupando conosco. Já saí de lanchonetes sem ser servida porque os garçons não perceberam que eu precisava de ajuda, ou simplesmente porque não queriam passar pelo trabalho de ficar lendo para mim – desabafa Roseli, que pega ônibus, faz aulas de tricô e gastronomia, usa o computador e limpa a casa; tudo sozinha.

Roseli Rosa nunca havia lido um cardápio em braile: “Ninguém tem ideia de como é a nossa realidade. É bom ver a sociedade se preocupando com isso”. Foto: Daniel Conzi/Agência RBS
Ainda não há pesquisas que mostrem a efetividade da lei. O alto custo e a dificuldade em produzi-los se mostraram empecilhos aos pequenos proprietários. Roseli entende a dificuldade, mas acredita que esta seja a melhor saída para integrar uma população historicamente deixada de lado.
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– As pessoas acham que há poucos cegos por aí, mas é porque elas mesmas ainda não estão adaptadas para lidar com isso. Ninguém tem ideia de como é a nossa realidade.
Nenhum restaurante multado até o momento
A consolidação de uma lei que causa tanto impacto no comércio local deve ser feita com paciência, e não com repressão. Esta é a opinião do diretor do Procon de São José, José Humberto de Souza. Ele explica que serão aplicadas multas a quem não cumprir a determinação, mas que até o momento tem se priorizado um processo de conscientização. Nenhum proprietário levou multa até agora.
– O papel do Procon não é só autuar, mas também educar – explica.
Souza já entrou em contato com as maiores redes de restaurantes de São José, tanto por telefone quanto pessoalmente, mas poucos estão totalmente adaptados. Um restaurante visitado pelo Procon, por exemplo, já encomendou os menus e aguarda a entrega.
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– O cardápio em braile não é positivo apenas para deficientes visuais. As pessoas valorizam um estabelecimento que preza pela acessibilidade – afirma Souza.
Poucos estabelecimentos de São José se adaptaram à lei que determina cardápios em braile