Fundadora e líder de um site especializado em conhecimento sobre marca-passos e outros dispositivos de estimulação cardíaca artificial, doutora em Ciências da Saúde, e portadora de marca-passo cardíaco, a médica Luciana Alves falou sobre o projeto que propõe alterações no Estatuto do Desarmamento e prevê a regulamentação de pistola tipo taser, spray de pimenta e bastões retráteis por cidadãos comuns .

Continua depois da publicidade

Diário Catarinense – Como a senhora se sente ao imaginar o uso regulamentado da taser pela população, caso o projeto vire lei?

Luciana Alves – A sensação é de insegurança. Mortes já foram relatadas. Há potencial risco para pessoas com predisposição a arritmias cardíacas, sejam portadores de marca-passo ou outros dispositivos de estimulação cardíaca, ou não. Além disso, até mesmo quem cuida da segurança tem sido repreendido pelo mau uso. Fico preocupada em se disponibilizar uma arma como esta, dita “não-letal” aos cidadãos.

DC – Quais os riscos da taser para portadores de estimulação cardíaca artificial?

Continua depois da publicidade

Luciana – O contato, sobretudo se for no tórax, pode causar alterações no dispositivo cardíaco implantado. Apesar de pouco conhecido um relato de caso publicado em 2007, no Journal of Cardiovascular Electrophysiology demonstra as alterações do contato deste tipo de arma em paciente portador de marca-passo. O risco de óbito não está descartado.

DC – A senhora acredita que a comunidade médica deveria ter sido consultada na elaboração do projeto que regulamenta a arma taser para uso da população?

Luciana – Certamente. E mais espantoso é que mesmo tendo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, entre outros especialistas, informado os riscos deste tipo de arma, “potencialmente letal”, ainda dá-se prosseguimento ao projeto como se nada soubessem. Me espanta ainda que a Anvisa não tenha sido convocada a pensar junto. Certamente arma de eletrochoque não é brinquedo de criança. Só a arma de brinquedo não mata.

Continua depois da publicidade

<< 40 milhões de pessoas, mais de 20% da população brasileira, sofre algum tipo de arritmia cardíaca >>

<< 300 mil é o total de mortes súbitas por ano no país em decorrência de arritmias cardíacas >>

Como funciona e os efeitos da taser no corpo

– Consideradas armas de menor potencial ofensivo pelos especialistas em defesa pois teoricamente teriam menor potencial para causar lesões. As armas de choque tentam imobilizar o adversário através do choque elétrico que vai literalmente “atordoar” a musculatura do indivíduo.

Continua depois da publicidade

– O choque descarrrega uma grande energia num tempo pequeno fazendo com que a musculatura perca seu tônus; acontece que o coração também é músculo. Um músculo diferente que tem um controle autônomo, um marca-passo próprio que comanda seus batimentos.

– Este marca-passo chama-se nó sinusal e possui características inerentes à sua função que permitem ao coração ter respostas específicas. A fisiologia do nó sinusal permite que em determinados momentos nenhum estímulo por mais intenso que seja desencadeie um batimento.

– Em alguns momentos um estímulo intenso pode passar e desencadear uma arritmia potencialmente ameaçadora à vida. Os equipamentos médicos usados para cardioversão elétrica possuem um dispotivo interno chamado sincronizador que impede a descarga elétrica neste período refratário relativo.

Continua depois da publicidade

– Quem dispara a arma não conhece fisiologia cardíaca. A cada batimento o coração apresenta um episódio em que um estímulo elétrico possa causar uma arritmia – com uma frequência cardíaca de 60 batimentos por minuto temos 60 momentos de risco.

– Com o aumento da frequência cardíaca mais possibilidades de risco ocorrem – uma descarga elétrica de 6 segundos com FC de 60 batimentos por minuto – um batimento por segundo = seis chances de causar uma arritmia; maior frequência mais chances, choque mais duradouro mais chances.