A casa que Renato Coutinho do Prado deixou ao sair na madrugada de 19 de junho de 1994 não estava completa. Metade do imóvel precisou ser construída após a morte dele, na manhã daquele dia, assim como as vidas de Sônia, Ana Paula e Renata. Elas formavam a família pela qual o jovem de 29 anos trabalhava como vigia e fazia “bicos” nas horas vagas, para garantir o sustento da família e os docinhos que levava a cada fim de expediente para a primogênita, Ana Paula.
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No entanto, naquele 19 de junho, Renato não retornou para casa: ele foi vítima de um homicídio que chocou Joinville e que só começou a ter um desfecho na última quinta-feira.
Foi por uma mudança na legislação que o acusado de matar Renato recebeu pela primeira vez o mandado de prisão e foi encaminhado para o presídio, 22 anos e cinco dias depois do crime. O médico Rolf Praetzel Schaurich foi preso por solicitação do promotor Ricardo Paladino depois que uma decisão do Superior Tribunal Federal (STF) autorizou a prisão de réus condenados em segunda instância, mesmo que ainda caiba recurso.
O mandado de prisão foi expedido em 3 de março – 15 dias após a alteração da lei -, e Rolf foi preso no último dia 23, na cidade de Guaporé, no interior do Rio Grande do Sul, onde ainda atuava como ortopedista.
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Naquela manhã, Renato havia chegado ao Hospital São José, onde trabalhava como vigia, e entrado em uma discussão com Rolf. Segundo denúncia do Ministério Público (MP) com base no depoimento de testemunhas, o médico havia estacionado no local para ir à Boate Chamonix e, ao retornar para buscar o veículo, urinou no gramado e trocou carícias com uma jovem dentro do carro. Ao ter a atenção chamada pelo vigia José Carlos Paes, que concluía seu turno, e por Renato, que chegava para assumir o posto na guarita, ele discutiu com os funcionários e disparou contra Renato, que morreu no local.
Entre as duas datas, a tristeza dividiu espaço com os sacrifícios nas vidas de Sônia, Ana Paula e Renata. Assim que Renato saiu para trabalhar, ele deixou a esposa com uma menina de quatro anos e um bebê de 45 dias. Demorou um tempo para que Sônia entendesse que, naquelas duas horas entre a despedida e o anúncio do crime, ela havia se tornado uma viúva sem nenhuma forma de garantir o sustento da família.
– Vieram dois enfermeiros me contar sobre a morte dele. Chegaram com o calmante para me dar depois de falarem o que havia acontecido – lembra Sônia.
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Serviço como diarista
Enquanto esperava a pensão – um salário mínimo que, em 1995, era de R$ 100 -, Sônia arrumou serviços como diarista. Era uma vida difícil, já que precisava cuidar das filhas e ainda comparecer a encontros com a advogada e audiências no Fórum – nas quais Rolf Schaurich faltou pelo menos três vezes, pelas contas dela.
– O hospital ajudou muito, doou até leite. E, por uns três anos, o médico pagou uma pensão para a nossa família. Mas quando começaram as audiências, ele parou com os pagamentos – conta Sônia.
A família ainda espera a decisão sobre a indenização que Rolf deve pagar às herdeiras de Renato pelos danos causados pela morte dele.
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Uma busca sem fim
É por meio de flashes de lembrança que Ana Paula tem a imagem do pai. Ela tinha quatro anos quando Renato morreu e recorda da paixão dele por galos e codornas, que eram criados em um rancho nos fundos da casa, além das balas e pipocas que ele levava todos dias como agrado para a filha. Renata, que era recém-nascida à época, guarda apenas o nome que ganhou do pai.
Quando Ana Paula cresceu e compreendeu o crime que marcava a família, começou também sua busca por justiça. Ela tinha 11 anos quando Rolf foi condenado em júri popular e, mesmo assim, conseguiu recorrer em liberdade.
– Foi ali que nasceu a raiva. No ar de superioridade com que ele respondia às perguntas, como se tivesse certeza de que iria sair impune – lembra a jovem.
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Com o tempo, foi a primogênita quem assumiu a busca por justiça, indo às audiências, conversando com os advogados e comparecendo ao cartório do Fórum de Joinville para acompanhar o processo. Ao longo destes anos, viu juízes e promotores que cuidavam do caso se aposentando, mas nenhuma resposta chegava para que, de alguma forma, a família pudesse recomeçar a vida.
– Nunca vi um caso com tantas pedras no caminho. Era como se estivéssemos de mãos atadas. Nada vai apagar o passado, mas não queremos mais viver com essa sensação de que se meu pai ainda estivesse aqui, a vida seria diferente – afirma Ana Paula.
Quando as redes sociais se popularizaram, ela e a irmã Renata puderam ver que o acusado pela morte do pai levava uma vida bem diferente da que elas conheciam na zona Sul de Joinville. Morando no Rio Grande do Sul, ele publicava imagens de festas e viagens para o exterior. Na mesma rede social, Ana Paula criou a página A Justiça Tem de ser Feita, em que relatava o crime e apresentava imagens de Rolf.
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O médico entrou com petição contra ela e tentou eliminar a página do Facebook, sem sucesso. No último dia 18 de junho, às vésperas do aniversário de morte de Renato, as filhas compartilharam mais uma vez sua história, com um recorte do jornal “AN” da época e imagens do pai. A esperança das jovens é que esta tenha sido a última vez que precisaram reclamar da impunidade.
No Rio Grande do Sul, advogados da Fayet Advocacia Criminal já trabalham com o pedido de habeas corpus. Enquanto isso, Rolf está no Presídio de Guaporé. Ele foi condenado a seis anos e seis meses de prisão.