A cuidadora de idosos Elza da Silva Crepaldi, de 59 anos, revelou aos poucos, durante uma conversa, as marcas da violência doméstica em sua vida. Mesmo passados 40 anos, o sofrimento e as lembranças do que o pai e o irmão diziam e faziam são recorrentes até hoje. A lembrança é física também: em forma de cicatriz.
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Mesmo não sendo mais essa sua realidade, Elza sabe que o melhor é falar sobre, colocar para fora, lutar contra. Aliando essas razões à sua vontade de aprender coisas novas, juntou-se a um grupo recém-criado que pretende ajudar — quiçá revolucionar — a vida de mulheres que vivenciaram na pele e na mente esse sofrimento.
O grupo nasceu do trabalho desenvolvido pela assistente social Rosana Rossato Stefanello, que atua na Ação Social Paroquial dos Ingleses (Aspi). Ao escutar relatos de violência doméstica de mulheres das comunidades do norte da Ilha, Rosana percebeu a necessidade e a importância de um espaço para atender essas vítimas. Era preciso fazer algo por elas, avaliou.
— Foi um trabalho de sementinha. Entregamos cestas básicas na Aspi, e quando elas vinham buscar, nós puxávamos assunto, conversávamos, e muitas acabavam desabafando. Se elas não retornavam mais, íamos até a casa delas, procurávamos entender a situação — detalhou Rosana.
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O projeto, então, tomou forma e saiu do papel em abril, e ganhou o nome de Reconstruindo Sonhos. Durante as tardes (com exceção das quintas-feiras), de forma totalmente gratuita, são realizados cursos como pet colagem, costura, entre outros, numa parceria com a Associação Empresarial de Florianópolis (Acif), que se sensibilizou com a causa. A ideia é ajudar essas mulheres a se reinserirem no mercado de trabalho e também, quem sabe, fazer do artesanato uma renda.

Momentos de felicidade
— Não só a capacitação, que tem como objetivo o aprendizado, mas o projeto pretende servir como um grupo de convivência, onde as mulheres podem parar para pensar em outras coisas, desestressar, conversar com outras que passaram pela mesma situação — explicou a assistente social.
Por essas razões que a aposentada Margarida dos Santos Soares, 68, por exemplo, sentiu-se à vontade para entrar de cabeça na iniciativa, ou como ela mesma falou, “para não ficar em casa sozinha, pensando besteira”. Ela perdeu o marido há cerca de dois meses. Para ela, o grupo a manterá mais viva.
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— Você presta atenção em outras coisas, aprende. Se distrai, tem momentos de felicidade — revelou a aposentada.
Dona Elza, inclusive, está disposta a servir de ombro para as mulheres que chegarem com relato de violência doméstica.
— Foi uma ideia linda, que vai ajudar muitas mulheres da região. Acho que tem que colocar a boca no trombone, precisa denunciar, falar sobre isso. Antigamente, eu não tinha uma lei para me ajudar. Hoje existem os meios, e o grupo vai ajudar a mulher a encontrar este caminho — avalia a cuidadora de idosos.
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Procura-se voluntários
Num segundo momento, a Aspi pretende oferecer apoio e atendimento psicológico, jurídico e atendimento médico, se for necessário. A associação busca profissionais parceiros para atuarem no projeto de forma voluntária.
— Foi um apelo das próprias mulheres da região. Muitas ainda se sentem constrangidas de darem seus relatos para o grupo inteiro. E preferem o atendimento individual com um profissional, como forma de alento e também de orientação sobre o que fazer — complementou a presidente da Aspi, Rosette Resende Mendes.
Para quem tiver interesse em se voluntariar e colaborar com o projeto Reconstruindo Sonhos, o contato da Aspi é o (48) 3365-1678, e o endereço é na Rua Sargento Maurílio Gonçalves Cabral, 23, no Ingleses. A associação também procura parceiros para darem diferentes cursos para as mulheres do projeto.
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Neste mesmo endereço e telefone, as interessadas em participar do Reconstruindo Sonhos também conseguem mais informações sobre o projeto. O grupo segue de portas abertas para todas as mulheres da comunidade — e não somente para as em situação de violência ou vulnerabilidade.
A ASPI
O projeto social no Norte da Ilha já existe há 20 anos. Foi fundado pela pedagoga Ruth Pereira (in memoriam), iniciou como Pastoral da Criança, e depois com o atendimento de crianças em situação de vulnerabilidade no contraturno escolar.
Hoje, trabalha com o Clube de Mães que doa, para as famílias da comunidade, enxovais completos para bebês. A Aspi ainda realiza uma série de outras atividades como entrega de cestas básicas, ajuda no encaminhamento a consultas médicas e ajuda na busca da documentação para empregos.
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