Depois de enfrentar nos últimos anos descrédito no cenário internacional, a Organização Mundial do Comércio (OMC) fechou no fim de semana, em Bali, na Indonésia, o primeiro acordo global em 20 anos.
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A conquista representa uma vitória pessoal do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, responsável por costurar o pacto e construir consenso entre os países.
Diretor-geral da entidade desde setembro, Azevêdo adotou uma estratégia diferente dos antecessores. Deixou de lado assuntos considerados polêmicos com o intuito de construir alianças mais amplas. O texto aprovado pelos 159 membros foca principalmente na redução da burocracia na transação de mercadorias.
– Haverá mais acesso às informações sobre taxas e encargos, classificação de mercadorias e restrições de importação antes de chegar com o produto no estrangeiro – disse o diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria, Carlos Abijaodi, que comemora o acordo.
O Itamaraty se mostrou satisfeito com o acordo. Em um comunicado afirmou que os resultados são amplamente positivos, pois facilita o acesso de produtos brasileiros a mercados em todo o mundo.
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O pacto firmado ganhou o apelido de Doha Light em referência ao encontro anterior realizado pela OMC. O texto é significativamente menos ambicioso do que o imaginado no Catar, em 2001. Conhecida como Rodada Doha – uma alusão à cidade sede do encontro – a reunião na época foi marcada por uma série de discussões e terminou sem qualquer avanço. Os países desenvolvidos queriam a abertura dos mercados aos produtos industrializados. Os países em desenvolvimento e a Austrália, agrupados no G-20, queriam a retirada dos subsídios por considerar que prejudicam as exportações de produtos agropecuários para os países ricos.
– É um acordo bem-vindo, mas limitado. Passamos do Doha ao Doha Light, e ao Doha Light descafeinado – ironizou Simon Evenett, especialista em OMC da Universidade de St. Gallen, Suíça.
Com o apoio de Venezuela, Bolívia e Nicarágua, Cuba quase colocou o plano por água abaixo ao insistir que não era possível discutir facilitação do comércio global enquanto os EUA mantêm embargo contra o país. Na OMC, os acordos são aprovados por consenso e um país pode bloquear tudo. Após atrair as atenções e enfrentar de frente os americanos, os países acabaram cedendo.
MENOS ENTRAVES NO HORIZONTE
O que significa o acordo entre os países e o que virá pela frente para diminuir entraves e facilitar o comércio global
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O passo a passo da conquista
– O acordo pretende facilitar o fluxo de bens retirando entraves ao aplicar procedimentos mais rápidos e mais simplificados na fronteira.
– Entre as medidas previstas está o fim da obrigatoriedade de despachantes aduaneiros em todas as etapas das transações comerciais e a criação de um comitê de facilitação do comércio internacional que dá direito à apelação das decisões de aduanas estrangeiras.
– Para ajudar as economias em desenvolvimento na África a atender os requisitos do acordo, União Europeia, Banco Mundial e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) se comprometeram a financiar programas de ajuda para treinar funcionários aduaneiros e desenvolver infraestrutura local.
– A Câmara de Comércio Internacional estima que as medidas reduziriam entre 10% e 15% o custo do transporte de mercadorias e que a produção global aumente em US$ 1 trilhão. Os principais beneficiados com a implementação seriam os países emergentes que perdem negócios atualmente devido ao grande volume de papelada exigida.
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– Para entrar em vigor, no entanto, o acordo precisa ser ratificado por pelo menos dois terços dos 159 países membros. A expectativa é que isso ocorra em 2015.
Novos desafios
– O acordo aumenta a estatura internacional do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, que se tornou diretor-geral da OMC em setembro passado.
– Apesar do pacto ser significativamente menos ambicioso do que o apresentado no encontro anterior, que ocorreu em Doha, no Catar, em 2001, seu simbolismo não deve ser subestimado.
– O compromisso firmado traz de volta a credibilidade da OMC, que andava arranhada. O acordo feito em Bali no fim de semana é o primeiro envolvendo todas as 159 nações em 18 anos. A esperança é que esse sucesso aumente o número de acordos multilaterais que beneficiem a economia mundial.
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– A estratégia adotada pelo diplomata brasileiro para chegar ao consenso foi considerada politicamente astuta por especialistas. O texto final desvia de temas sensíveis como barreiras agrícolas, ponto de atrito constante entre os países ricos e as nações em desenvolvimento.
– O diplomata brasileiro deve agora pressionar por uma agenda mais ampla de liberalização do comércio. Um dos principais desafios vem dos pactos regionais que economias ricas como os EUA, UE e Japão estão negociando. Acordos mais restritos diminuem a oferta global e deslocam comércio que poderiam ocorrer com os países em desenvolvimento.