Alcides Buss defende a ideia de que todo mundo deveria saber um ou dois poemas de cor:
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– Se você tem um poema, tem uma boa companhia.
Não que ele saiba de cabeça todos os seus, mas a poesia o acompanha de outra forma. Está dentro. No que vê, no que sente e no que escreve. E no cotidiano, mesmo naqueles dias que parecem mais vazios que os outros. Em Viver (não) É Tudo – Diário da Perseverança, o autor (ele não gosta do termo poeta por achá-lo muito aberto a distorções) escreve um poema para praticamente todos os dias do ano – respeitando os vazios daqueles em que nada acontece.
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É uma obra sobre o tempo (“o tempo é uma ficção que se criou”, diz ele), sobre viver e sobreviver. Sobretudo é uma obra que questiona o sentido da vida e o que se está fazendo dela.
– O que somos? O que fazemos? Falo sobre o tempo, as experiências que temos. Tudo acaba um dia – afirma.
Dedica poemas a familiares queridos, usando-se do fato de que quando o poeta escreve é um eu lírico que pode ser o eu de qualquer um.
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Viver... é o 25o livro de sua carreira, que começou com a publicação do desconcertante Círculo Quadrado, quando tinha 20 anos. Hoje, aos 67, afirma sentir-se mais maduro diante das coisas, o que não necessariamente quer dizer que tenha perdido a ilusão de que a literatura tem alguma força para mudar o mundo.
– É o livro talvez com menos ilusões diante da vida – conta.
A obra surgiu a partir da ideia de registrar o ano por meio da poesia, levando em consideração que cada momento é uma situação diferente, um clima, uma dívida, uma preocupação. Como o próprio título sugere, é passível de duas leituras distintas, uma mais otimista (viver é preciso) e outra mais pessimista (viver não é preciso).
O autor prefere o termo “pé no chão” a pessimismo, muito embora a dicotomia bom X ruim apareça em tantos poemas:
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De flores e de armas
se sustenta a humanidade
Ah se fosse só de flores!
Não seríamos então o que somos,
esse misto de alma
e sepultura, de arte
e baixaria.
(?)
ENGAJAMENTO CULTURAL
A casa em que Alcides Buss vive é rodeada por árvores e flores, na rua que leva à Barra do Sambaqui, no Norte de Florianópolis. Anda chateado com o asfalto novo. Aliás, pensa muito na Ilha de Santa Catarina, um ecossistema fragilizado que vem sofrendo com o crescimento. Não quer ser pessimista, apenas pé no chão. Em sua casa funciona uma biblioteca comunitária, voltada principalmente para obras infantis – público para o qual já dedicou alguns livros, incluindo o premiado A Poesia do ABC.
Parafraseando Santo Agostinho, fala sobre a necessidade de escrever e como um poema acontece:
– Qualquer coisa pode virar poema. Poesia é um artefato, verbal ou não verbal. Mas e poesia? Eu sei o que é poesia, mas se me perguntarem, eu já não sei.
Segue explicando que o poema nasce às vezes de um “encasquetar” com algo. E depois vem a gestação da ideia, que pode demorar dias, meses:
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– O poeta escreve com o corpo inteiro. Entra num túnel e só sai quando termina. Garcia Lorca dizia que o poeta é o médium da natureza. Acho verdade. O poeta escreve o que está dentro de si. Não há outra forma. Se quer falar da árvore, tem de colocar a árvore dentro de si. Todo poeta é porta-voz da vida, do ser. Ele tem o mundo dentro de si. Tudo que veio antes, inclusive o próprio homem. E o futuro também.
Além da trajetória como autor, Buss é reconhecido pelo engajamento na cena cultural de Santa Catarina. Nasceu em Salete, no Vale do Itajaí, e depois de cursar a faculdade de Letras foi convidado a ser o diretor de Cultura de Joinville. Ao longo dos últimos 40 anos criou projetos significativos, como o Varal Literário e o Movimento de Ação do Livro. Atualmente coordena o Círculo de Leitura de Florianópolis, na UFSC, que hoje terá o professor João Klug como convidado. Ele falará do romance O Irmão Alemão, de Chico Buarque, para o qual contribuiu com pesquisas na Alemanha.
Viver (não) É tudo – Diário da Perseverança. De Alcides Buss. Caminho de Dentro Edições. 156 págs. R$ 30.
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