JairzinhoFuracão70@. Aqui, um exemplo que cabe no universo óbvio ululante do escritor Nelson Rodrigues, autor do livro “A Pátria de Chuteiras”. Afinal, qual o único brasileiro com direito supremo de ter esse e-mail? Ainda na atmosfera nelsonrodriguiana, óbvio que somente um, Jair Ventura Filho, o Jairzinho, o “Furacão” na Copa do Mundo de 70, no México.

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– Não podia ser outro não é mesmo? – pergunta ele, rindo, durante uma conversa com a reportagem do Diário Catarinense. Jairzinho, 70, e a mulher, Tereza, 60, com quem é casado há 40 anos, e tem dois filhos, passou os últimos dias em Santa Catarina.

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“A maioria dos jogadores brasileiros que está fora do país não faz diferença”, desabafa Jairzinho

A convite dos amigos da Família Petry, o Tricampeão do Mundo veio para a reabertura, dia 5, de um dos lugares que mais gosta de estar quando visita o Estado, o Mercado Público de Florianópolis. Mesmo que tenha sido discreto, quem esteve no Vão Central o viu degustando pastel de camarão e tomando cerveja com os amigos, os quais os hospedaram em Antônio Carlos, município localizado na Grande Florianópolis. Vez que outra, posando para uma foto com os fãs. A maioria com mais idade, torcedores que viram Jairzinho junto com Pelé e outros da Seleção de 70 levantando a Taça Jules Rimet.

Foi neste cenário que, na tarde seguinte, Jairzinho escolheu o jardim como lugar para a entrevista. Quis os amigos sentados ao redor, interagiu com eles durante a conversa, despreocupou-se com a aproximação dos cachorros da casa. Tomou água, pediu um tempo para fazer xixi, repetiu por sete vezes – o mesmo número da camisa que o consagrou na carreira – a palavra patriota.

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Em síntese, para ele, imortalizado na cena cinematográfica do chapéu no goleiro, bola matada no peito e chute para o fundo das redes, o que falta para o Brasil de hoje – dentro ou fora das quatro linhas – é patriotismo. Seja no político corrupto e que corrompe, seja no jogador que enverga a Canarinho sem maiores vínculos com o país onde nasceu e deixou cedo para fazer carreira no Exterior.

Jairzinho já se experimentou como treinador de futebol. Atualmente coordena o projeto social “Fábrica de Talentos Furacão”, em Manguinhos, Zona Norte do Rio. O objetivo da Fábrica, que é um programa gratuito, é revelar jogadores para o futebol masculino e feminino.Confira a seguir o bate-bola com o Furacão da Copa de 70.

Olho no talento

“Talvez eu seja o treinador que mais revelou jogadores. Inclusive um que não vou dizer o nome (Ronaldo Fenômeno). Eu consigo detectar com os olhos o garoto que, ao correr, apresenta o conhecimento dos jogadores de futebol: aplicar, conduzir, passar, centrar, chutar, cabecear. Então a gente separa, vai lapidando e introduzindo esses fundamentos.”

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Peneira paga

“Tem quem oferece um garoto no clube e paga na peneira. Aí, quem tem a qualidade não é aprovado. Por isso nós estamos pagando com a falta de qualidade do futebol brasileiro. Vejam nas categorias de base quem é o treinador, veja se é um ex-jogador. A maioria não é. Tem dentista, padeiro dando aula de futebol: é aula, igual ao a, e, i, o, u. No futebol, é a mesma coisa, tem que orientar os fundamentos: como correr, controlar, passar, exercícios que se aplicam quando se está jogando. Essa falta de orientação é um dos motivos para que não apareça mais jogador.”

Campos de várzea

“Os nossos campos de várzea estão sumindo, estão construindo em cima deles. O garoto não tem mais lugar onde jogar pelada, onde aprender os primeiros passos do futebol. Tudo isso está levando a isso que nós brasileiros estamos vendo.”

Novos Garrinchas

“No meu teste no Botafogo para a ponta direita, no final dos anos 60, eu queria ser o novo Garrincha, o meu ídolo. Era eu e mais 19 garotos. Todo mundo queria ser Garrincha, o grande fenômeno. Sabe quem ficou?”

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Brasileiros que jogam fora

“A maioria dos jogadores brasileiros que está fora do país não faz diferença. Qual o jogador além de Neymar, entre todos que estão fora do país, que realmente faz alguma diferença?”

Lei Pelé

“Eu estou lutando contra a Lei Pelé por causa disso: com a eliminação da Lei Pelé não será qualquer garoto que vai embora. Aí, sem a saída do menino, o Brasil voltará a ser o país do futebol. É preciso ensinar tudo, o que é driblar, exercer a criatividade, o improviso. Empurrar a bola para cá e para lá qualquer um faz. Quero ver trabalhar com a capacidade de raciocínio, passar, driblar, criar, chutar de diversas formas.”

Alemanha 7 a 1 Brasil

“Eu chorei muito com a derrota. Não é perder o título, mas a forma como perdemos. O que eu e os outros jogadores na história fizemos para posicionar o Brasil como país do futebol para sermos humilhados da forma que fomos? Quem tem esse sentimento igual eu sofre muito.”

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Copa 2018

“Existe outro ponto de enfraquecimento do futebol brasileiro, que é o fato do Brasil não se classificar para 2018, a próxima Copa do Mundo. O Neymar não vai jogar as duas primeiras partidas. De cara já vamos pegar dois times de ponta, o Chile e a Argentina. Tem a moral do Chile, recente campeão da Copa América, e a tradição da Argentina. E encontraremos a Venezuela, para quem já estamos perdendo. Eu estou preocupadíssimo”.

Perfil

A origem

Jair nasceu em 25 de dezembro de 1944, em uma família pobre. Tinha dois anos quando o pai morreu, e foi criado como filho único pela mãe que, pelas dificuldades financeiras, deixou o subúrbio de Duque de Caxias, e se mudou para a Zona Sul carioca. Acabou na Rua General Severiano, e moravam ao lado do campo do Botafogo, time que começou a torcer.

A oportunidade

Jairzinho teve a oportunidade de passar pela peneira do Botafogo através de Lucas (eterno reserva de Nilton Santos na lateral-esquerda) que jogava pelada nas ruas com eles. Um dia ele o viu jogar, partida em que Jairzinho fez dois gols. Lucas o convidou para um teste no juvenil: dos 19 jogadores em teste para a camisa sete, ficou só um, Jairzinho.

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A carreira

O ponta-de-lança Jairzinho começou a carreira no Botafogo no final dos anos 50. A primeira chance como profissional veio em 1960. Recebeu a responsabilidade de substituir nada a menos do que Mané Garrincha. Jogou no Botafogo até 1974, transferindo-se para o Cruzeiro.

Os títulos

Foi pelo azul mineiro que conquistou o maior título de clubes: o de campeão da Libertadores de 1976. Depois do Cruzeiro, o “Furacão da Copa” defendeu a Portuguesa da Venezuela, o Noroeste de Bauru (SP), o Jorge Wilstermann (Bolívia), e o 9 de Outubro, do Equador. Em 1981, retornou ao Botafogo, onde encerrou a carreira de jogador profissional com um saldo de 292 gols.

O craque

Jairzinho disputou três copas do mundo com a Seleção Brasileira, 1966, 1970, 1974. No Mundial de 70, no México, foi fundamental para a conquista do título: fez gols em todos os jogos naquela que teve uma das maiores gerações de jogadores brasileiros de todos os tempos, como Pelé, Carlos Alberto, Clodoaldo, Tostão Rivelino, Gérson.

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