O conceito “cinema expandido é geralmente associado ao cinema vanguardista que teve lugar em Nova York a partir da década de 1960. O inglês William Raban, 65 anos, é um dos pioneiros dessa vertente na Europa. Desde 1970, fez mais de 40 filmes, a maior parte deles para exibição em galerias, quase todos de caráter documental e ao mesmo tempo experimental, a maioria tendo Londres como cenário – e, frequentemente, tema.

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“Não raro realizados em time-lapse, os filmes de Raban evidenciam a cidade em sua força, ritmo, cadência e tempo particulares, tornando os elementos naturais testemunhas das suas mais radicais transformações”, escreve sobre sua obra Bernardo José de Souza, um dos curadores da 9ª Bienal do Mercosul e seu principal interlocutor junto ao Cine Esquema Novo Expandido (CEN-E) no projeto de trazer Raban a Porto Alegre.

Thames Film (1986) é um dos trabalhos mais conhecidos do artista inglês, assim como a trilogia política Under the Tower, formada por Sundial (1992), A13 (1994) e Island Race (1996). As videoinstalações About Now MMX (2010), The Houseless Shadow (2011) e Time and the Wave (2013), esta última com sua première mundial no CEN-E,

serão abertas amanhã, às 20h30min, e poderão ser visitadas durante 30 dias nas galerias Iberê Camargo e Lunara, localizadas na Usina do Gasômetro.

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Falando a ZH por e-mail, antes de embarcar rumo à Capital, Raban conjecturou sobre os trabalhos que serão exibidos em Porto Alegre, comentou o uso da cidade como pauta do cinema político e revelou seu desapontamento com os filmes voltados para o que chamou de “entretenimento de massas”:

Zero Hora – Thames Film (1986) será exibido num barco sobre o Guaíba. Você já apresentou esse filme em outro lugar que não Londres, ou o Rio Tâmisa? O quanto de suas reflexões mudam com a exibição em outros lugares?

William Raban – O filme já foi mostrado em vários locais, mas nunca da forma como será visto no Guaíba. Thames Film é sobre a relação de Londres com o mar e o próprio rio que atravessa a cidade. Imagino que o público terá uma experiência diferente assistindo-o dentro de um barco em Porto Alegre. É uma grande ideia apresentá-lo assim. Estou curioso para saber como ele vai ser absorvido pelas pessoas, espero que a comunicação que se estabeleça seja boa.

ZH – O que podemos esperar do inédito Time and the Wave?

Raban – Terminei de montar o filme na semana passada. Vi tantas vezes aquelas imagens que não tenho mais o distanciamento crítico para analisá-las. Além disso, meu trabalho não é dizer algo, e sim mostrar. O que espero, no entanto, é que o público perceba o viés político de Time and the Wave. O registro dos acontecimentos que tiveram lugar em Londres no último ano, entre eles a celebração do Jubileu de Diamante da Rainha Elizabeth e os funerais de Margaret Thatcher, tentam demonstrar o quão impotentes as pessoas estão. Nós somos seduzidos pelo entretenimento de massas, vendo televisão, jogando videogame ou assistindo às produções de Hollywood. A sociedade, em geral, é formada por espectadores passivos. Nos meus filmes, tento falar sobre isso. Mas preciso que o público tenha engajamento suficiente para se tornar participante ativo na construção do significado do que está vendo.

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ZH – A ideia de “cinema expandido” não é nova, mas a tecnologia do vídeo digital tornou esse conceito mais comum nos últimos anos, ou décadas. Você acredita que ele pode se tornar fundamental para o futuro da linguagem cinematográfica?

Raban – Para mim, cinema expandido foi um conceito importante no fim dos anos 1960 e no início dos 1970, a partir do trabalho do movimento Fluxus, em Nova York, e de seus reflexos na Europa, particularmente em Londres, Colônia e Viena. Pode-se dizer que suas origens remotas nos levam às sessões dos filmes dos irmãos Lumière, em Paris, nos 1890. Mas você está certo ao dizer que o vídeo digital deu um novo ímpeto ao cinema expandido. Há muitos artistas visuais adeptos das performances usando o audiovisual em seus trabalhos. Acredito que isso deve, sim, ter impacto no desenvolvimento da linguagem do cinema.

ZH – Nas últimas décadas, artistas têm feito muitas reflexões sobre as cidades, o desenvolvimento urbano e as relações entre as pessoas e os lugares nos quais elas vivem. Este se tornou um grande tema da arte contemporânea. Por que isso aconteceu?

Raban – Esta é uma questão interessante. A ideia de filme-sinfonia de uma cidade foi algo que provavelmente começou com Manhatta (curta de Charles Sheeler e Paul Strand, lançado em 1921), seguido por dois grandes longas-metragens: Berlim: Sinfonia da Metrópole (de Walter Ruttman, 1927) e O Homem da Câmera (Dziga Vertov, 1929). Acho que uma razão para o aumento desse tipo de projeto é o fato de que o filme se tornou a grande mídia da era moderna. Outra: a cidade se tornou o assunto primordial da literatura e das artes visuais modernas – e da música também, consequentemente.

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ZH – Você é uma referência do cinema dito expandido, e também autor de um trabalho político. Os filmes fazem mais política quando saem da sala de cinema? Quando, por exemplo, eles vão às ruas?

Raban – Esta questão me leva a outra: por que o cinema se tornou algo tão distante da realidade do mundo contemporâneo e se tornou simplesmente esse grande meio de entretenimento de massas quando oferecia e prometia tantas coisas a mais? A maior parte do cinema contemporâneo me entedia. Os filmes dos quais eu gosto me envolvem tornando-me ativo no processo de construção de seus significados. Infelizmente, esse tipo de cinema tem sido raro. Respondendo mais diretamente à questão: acho que os filmes têm de sair e se reencontrar com a rua. É lá fora que a arte de proposta estética mais radical deve ser feita.