Compelido de volta aos palcos depois de mais de três décadas sumido, o cantor pernambucano Di Melo virá pela primeira vez à Região, na condição de uma das principais atrações do Festival Psicodália, que começa nesta sexta na Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho (SC). Em entrevista a Zero Hora, ele conta mais sobre sua curiosa história e o momento atual na carreira:
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Zero Hora – No show no Festival Psicodália você pretende tocar músicas do disco antigo e composições mais novas?
Di Melo – Músicas do disco antigo e músicas dos discos novos. Todo mundo imagina que o Di Melo tem tão somente o disco da EMI/Odeon. Durante uma periodicidade, eu fui compilando músicas e consegui fazer um apanhado de 100 músicas gravadas em 10 discos novos. Tenho 12 músicas inéditas com o Geraldo Vandré, uma com Baden Powel, uma com Wando, duas com Jair Rodrigues. E recentemente fiz uma com o Waldir da Fonseca e com o Emicida, chama-se Dioturno.
ZH – Essas músicas nunca foram gravadas?
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DM – São músicas inéditas, eu tenho 400 músicas que não foram gravadas. E tenho 100 músicas gravadas. E fiz inclusive 32 de Fevereiro, que é um apanhado de todas as músicas minhas gravadas, eu gravando música de outras pessoas, outras pessoas gravando músicas de Di Melo.
ZH – O que você fez durante os anos em que ficou sumido dos palcos?
DM – Eu sempre mexi com arte, trabalhei com pinturas, entalhava, criava música. Eu parei de trabalhar com pintura por causa da pigmentação da tinta, que penetra seriamente no sangue. Aí passei a negociar obras de outros artistas contemporâneos.
Mas todo mundo mundo acha que Di Melo parou. Não, eu nunca parei. Eu sempre fiz shows. Aqui, ali, aparições repentinas. Da mesma maneira que eu aparecia, eu desaparecia, eu fazia parte da história. Eu andei com o (Geraldo) Vandré, inclusive no Paraguai, viajando com ele eu ia para o Norte, Nordeste. Durante esse período fizemos essas 12 músicas. Era nos anos 1970, 80. Depois trabalhei bastante com música italiana em uma cantina aqui em São Paulo, a comida não era grande coisa, bom mesmo era a zorra. Eu colocava as tarantelas no samba.
ZH – Como você soube do boato sobre a sua morte?
DM – Um dia um amigo jornalista ligou de Londres às 8h da manhã e perguntou: “Di Melo, tu tá em pé?” Aí eu digo, “não me dê má notícia a essa hora”. (Ele disse que) “Foi feito uma pesquisa a nível mundial e chegou-se à seguinte conclusão: de que você é umas das 10 melhores vozes do planeta e é uma pena que você gravou um único disco e morreu em um desastre de moto”. Eu disse “Nossa, eu morri e esqueceram de me avisar”.
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ZH – Ao que você atribui a sua volta aos palcos?
DM – A minha volta se deve muito a DJs do mundo inteiro que começaram a tocar esse disco. Ele tá em várias coletâneas, inclusive da Blue Note, que é uma das gravadoras mais cotadas do mundo inteiro.
ZH – Não se deveu muito à internet?
DM – Também, tudo confluiu. Uma junção de coisas maravilhosas.
ZH – Como você “foi descoberto” e conseguiu gravar um disco em uma grande gravadora, com artistas renomados?
DM – Eu encontrei o Jorge Ben e, por sorte, toquei para ele. Ele ouviu, disse “rapaz, você tem futuro”, e me deu um cartão para procurar o Roberto Colossi, até então empresário do próprio Jorge Ben, do Chico Buarque, Wanderley Cardoso, Paulinho da Viola, de todas as pessoas que estavam fazendo o panorama musical da época… Inclusive era empresário do Jô Soares. Eu vim pra cá (São Paulo), e ele me foi muito solícito, gostou do som, na época tinha muita caravana (gravadora fazia caravana, rádio fazia, empresário também, reunia vários artistas e saía para fazer show). E eu passei a fazer isso. Depois ele (Roberto Colossi) teve problemas sérios de saúde e veio a falecer. Quando ele adoeceu, eu fiquei órfão e fui pra noite… toquei em Aleluia, Janela para o mundo, Jogral, Igrejinha, Balacobaco… que eram casas que tinham história na noite. Onde as pessoas se reuniam pra ouvir boa música. Nessa época eu passei a conhecer Jair Rodrigues, Baden Powell.
ZH – Por que você decidiu sumir?
DM – Quando o Wando estourou com Moça, nesse disco aí eu tinha uma música (Volta). Esse disco vendeu como banana em feira. O Wando enricou com esse risco dele. Eu fui receber, tinha onze cruzeiros. Eu tinha músicas com o Jair Rodrigues, que também vendia muito. Quando fui receber a grana do trimestre: Onze cruzeiros. Aí eu digo: É sacanagem!
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Esse foi um dos motivos que me desestimulou. Eu talvez não tivesse a experiência que eu tenho hoje. Então eu fui pra Recife para ficar oito dias, mas fiquei 10 meses. Eu tinha um contrato no Japão pra ficar três meses, mas eu saía, carimbava o passaporte, voltava, ficava. Eu comecei a não levar mais a coisa a sério.
ZH – Você se arrepende de ter desaparecido da cena musical?
DM – Tudo eu faria de novo, não me arrependo de absolutamente nada. Viajei bastante, curti a vida. Vinícius de Moraes falava uma coisa fantástica “Quem já passou por esta vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu” (letra de ‘Como dizia o Poeta’). Tem um monte de gente acumulando altas fortunas e não viveram, se foram.