A notícia de que o primeiro filho poderia nascer antes do tempo chegou junto com a obrigação de uma viagem de quase 300 quilômetros. Por conta da escassez de vagas em UTIs neonatais do Estado, a estudante Maria Carolina Silveira, 18 anos, precisou ser transportada de Florianópolis até Mafra, no Planalto Norte – única cidade de Santa Catarina onde havia leito.

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Uma história que ainda nem acabou, mas tende à repetição: de acordo com recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o governo catarinense precisaria inaugurar novas 200 vagas para evitar que outras gestantes peregrinassem em busca de atendimento.

Em Santa Catarina existem 149 leitos de UTIs neonatais credenciados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Até esta segunda-feira todos estavam lotados. A confirmação é do secretário estadual de Saúde, Dalmo de Oliveira, ao admitir que a rede de UTIs é insuficiente para atender a demanda.

Internada por volta das 9h30min de sábado, com um quadro de infecção e risco de parto prematuro, Maria Carolina teve de esperar até o início da tarde de domingo para ser informada sobre a viagem. Ela foi transportada em um helicóptero até a Maternidade Catarina Kuss, onde, até ontem à noite, eram realizados procedimentos para tentar retardar o nascimento do bebê.

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Maria Carolina teve que fazer o caminho inverso da maioria das que precisam do atendimento da alta complexidade, ela foi da Capital para o interior. A lotação de vagas em Florianópolis, segundo Oliveira, ocorre por culpa também da greve dos servidores da saúde pública.

Conforme o secretário, quatro das 10 vagas disponibilizadas na Maternidade Carmela Dutra foram fechadas por falta de profissionais. No Hospital Infantil Joana de Gusmão a previsão de duplicar o número de leitos disponível teria sido adiada. Isso, conforme Oliveira, devido à dificuldade de contratação da equipe médica.

– A situação, que já era grave por conta da grande demanda, ficou pior – argumenta Dalmo de Oliveira, que promete aliviar a rede com a ampliação de sete para 30 leitos em Joinville. Segundo ele, o projeto está sob análise da Vigilância Sanitária e as novas vagas devem ser inauguradas já no ano que vem. Em São José também há promessa de ampliação, de 10 para 20 leitos de UTI neonatal.

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Porém, para o presidente do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina, Vicente Pacheco Oliveira, não se pode relacionar a dificuldade de ampliação de vagas à greve dos servidores. Ele enxerga a lotação em UTIs neonatais como um problema crônico e diz que faltou investimento nos últimos anos e não nos últimos 50 dias, quando a greve foi deflagrada.

O diretor de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores em estabelecimentos de Saúde Público Estadual e Privado de Florianópolis (SindSaúde), afirma não haver previsão para que os servidores retornem ao trabalho. Segundo ele, não há estimativa sequer de uma nova reunião com o governo.

“Somos vítimas da saúde pública”

Marido de Maria Carolina e pai de Pietro, como vai se chamar o primeiro filho casal, o vendedor Lauro Manuel da Silva Júnior, 22 anos, lembra que a família organizava os últimos preparativos do enxoval quando precisou sair de casa, em Florianópolis, para buscar atendimento no interior do Estado. Enquanto a mulher era transportada de helicóptero até Mafra, ele arrumava as malas para seguir viagem de carro. Foram mais de três horas de angústia.

Diário Catarinense – Como foi o período da notícia de que o parto seria prematuro até a informação de que finalmente havia uma vaga para o Pietro?

Lauro Manuel da Silva Júnior – Foi de muita preocupação. Não sabíamos o que aconteceria, a quem recorrer, era um sentimento de impotência diante de tudo aquilo. Nunca imaginamos que isso fosse acontecer com a nossa família. Eu lembro que dizia: “o meu filho não é um bicho, não é um cachorro para ser atirado num canto, sem atendimento”. Esse era o sentimento que eu tinha, um sentimento de abandono.

DC – Como foi a viagem até Mafra?

Júnior – A viagem de helicóptero durou cerca de uma hora, a Maria Carolina chegou perto das 15h30min no hospital. Mas eu tive que ir de carro, não era permitido que familiares fossem junto. Passei a viagem inteira pensando se eles estavam bem, se o meu filho tinha nascido, se eu encontraria ele vivo.

DC – Essa história muda alguma coisa na vida de vocês?

Júnior – Percebemos que somos vítimas da saúde pública, qualquer pessoa pode passar pelo que a minha família passou e isso vai ficar martelando na nossa cabeça para sempre. Uma cidade que quer se mostrar para os outros, como é Florianópolis, tinha primeiro que cuidar de si.