O cafezinho preto – e sem açúcar – tratou de espantar a fadiga pós-almoço e o cansaço acumulado. A manhã foi de agenda cheia com visitas em empresas. A térmica parecia ser só dele.

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— Dá para perceber que gosto muito de café, né? — perguntou rindo depois da terceira xícara.

Jean Kuhlmann é mais simpático do que aparenta ser. Em poucos minutos já estava à vontade e se servia sem cerimônia. Com fala mansa e despretensiosa narrava fatos sem cronologia, as histórias do primário se misturando com os causos vividos na adolescência e logo se completando com os anseios da atual vida política. Jean tinha só oito anos quando a mãe, Ingeborg Kuhlmann, o levava para a escola acomodado no bagageiro de uma bicicleta Monark.

O trajeto incluía a travessia de uma pinguela sobre o ribeirão Itoupava, que ligava as ruas Primeiro de Janeiro, no bairro Fidélis, e Doutor Pedro Zimmermann, no Itoupava Norte, na área norte do município. Era mais rápido para ela pedalar os quase três quilômetros entre a casa da família e a escola municipal Pedro I, do que ir andando com Jean ao lado. A carona, no entanto, deixava o menino desconfortável. Não por ser levado no bagageiro, mas por ir sentado enquanto todos os amigos caminhavam.

— Eu queria ir andando com os amiguinhos — justifica com um ar de quem diz ¿não era nada demais¿.

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A mãe achou a proposta engraçada, mas também não viu sentido em contrariar o filho e acatou ao desejo. Mais de três décadas depois, aos 41 anos, Jean percebe que o pedido feito no passado já refletia a personalidade de hoje. Deputado estadual eleito em 2014 para o terceiro mandato _ depois de ser secretário de governo e de alcançar a maior votação de um vereador, à época, em Santa Catarina, com quase 8 mil votos em 2004 _, Jean disputa a prefeitura de Blumenau pela segunda vez pelo PSD.

A batalha pelo direito de comandar a cidade também se assemelha, em menor escala, claro, aos tempos em que figurou como líder de classe na reta final do ensino fundamental, líder de turma durante a faculdade de Administração na Universidade Regional de Blumenau (Furb), integrante do movimento estudantil e, antes de assumir como vereador, presidente da Associação dos Moradores da Rua Primeiro de Janeiro.

A vontade de estar perto das pessoas e de entender quais eram suas necessidades transformou Jean. Dizem que ele tomou para si o sonho do pai, Félix, que queria ter um filho político. O mecânico, falecido em 2014, chegou a cogitar uma candidatura à Câmara de Vereadores de Blumenau, mas preferiu que Jean, o caçula de seus quatro filhos, assumisse a empreitada. Com pouco mais de 20 anos, ele se candidatou ao primeiro cargo público: ficou com a terceira suplência.

— Tudo foi por incentivo do pai dele. Ele quem ajudava nas primeiras eleições, e o Jean assumiu isso para ele e foi embora. E já se passaram 20 anos — arremata a esposa de Jean, Cris Uhlmann (sim, sem o K).A persistência que conduz a carreira política já dava sinais na adolescência.

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Lá pelos 14 ou 15 anos, quando cursava a 8ª série do fundamental, Jean criou um método para conseguir estudar. Depois de ler toda a matéria, elaborava pelo menos 50 perguntas e as escrevia em papéis. Milimetricamente recortados e dobrados, os questionamentos eram, então, colocados em um saquinho. Cabia à mãe fazer o sorteio e ler em voz alta as perguntas. A regra era clara: ao primeiro erro, todos os papeis deveriam voltar ao pacote, e o jogo recomeçava. A história dos tempos de piazote é um exemplo do substantivo que traduz Jean para o colega de partido e ex-prefeito de Blumenau, João Paulo Kleinübing: determinação. É essa a característica do amigo ¿que mais impressiona¿ o hoje secretário de Saúde do Estado.

Mas se engana quem pensa que a insistência na perfeição não teve tropeços. Na adolescência, Jean ficou em exame — apesar de não lembrar em qual matéria, garante que foi por pouco: a média era 7,5 e a soma das avaliações fechou 7,4. Em recuperação, a nota máxima serviu para ratificar a obstinação de Jean.– Tenho que provar para mim mesmo a capacidade que tenho. A gente tem que fazer a coisa certa antes de esperar que os outros façam. O exemplo deve ser meu – divaga ao ser questionado se sente a necessidade de provar seu valor e conhecimento aos demais.

Apesar da firmeza da resposta, Jean tem um arrependimento. Se pudesse, confidencia, mudaria as estratégias da campanha de 2012, quando o adversário Napoleão Bernardes foi consagrado prefeito com 70,7% dos votos válidos. Em vez de ter defendido um grupo político (Jean era o candidato da administração corrente à época), teria falado mais sobre si mesmo, sobre o papel que desempenha na sociedade, sobre quem é e o que já fez. O espírito da mudança o candidato parece ter.

— Algumas coisas a gente aprende com o tempo — lamenta.

Contido, arrisca um oi de longe seguido de acenos durante a entrevista, mas ainda sem paradas para abraços ou apertos de mão. Jean é discreto _ ou, nas palavras da esposa, “é só o ar de sério”, “daqueles alemães que se cobra muito, sabe?” explica ela, na tentativa de desconstruir o estereótipo.

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— Até brinco com as pessoas no meu dia a dia, conto piada, mas tenho esse jeito mais reservado mesmo. Tenho um lado um pouco mais tímido, gosto de estar em casa, ver filme, comer uma pipoca — justifica o candidato, emendando que, por influência de Cris, tem assistido mais séries e que, durante o próximo feriado, vai aproveitar para ver a última temporada de Game of Thrones, sua favorita, mais uma vez.

A companheira diz que o marido é, na verdade, extremamente perfeccionista, detalhista e metódico. As características são notórias. Em menos de meia hora de entrevista, Jean tentou, por duas vezes, endireitar a bandeja do café. A cisma pela organização também chegou até a mesa que ocupa da Assembleia Legislativa. Por lá os papéis só ocupam as gavetas _ uma para cada coisa. Não tem material dando sopa fora do lugar. O assessor confirma a história acenando que sim com a cabeça.

Sem conseguir classificar se o perfeccionismo é uma característica positiva ou negativa, Jean deixa escapar que incorporou o hábito há tempo. Aos 14 anos, quando o pai o colocou para ajudar nas tarefas da oficina mecânica da família, não só as peças eram limpas com esmero, mas também o chão era raspado para garantir que nenhum resto de graxa atrapalhasse o trabalho dos mecânicos.

— Sempre fui assim, na oficina e quando eu estava na aula. Sou mesmo extremamente metódico, detalhista e até um pouco centralizador. Um pouco, não. Muito — ri acanhado.

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Ele garante que a dificuldade não é delegar as demandas, mas sim confiar a responsabilidade do que precisa ser feito. Antes indeciso para definir se a busca pela perfeição era qualidade ou defeito, Jean vacila e confidencia:

— Para mim, pessoalmente, às vezes é um peso.

Se algo não sai como o previsto ou como o planejado, o deputado estadual se diz controlado e persistente até conseguir resolver.

— Isso é uma qualidade — defende ao brincar que tem outros pontos positivos, como a facilidade para pegar no sono, principalmente no carro, durante as viagens para Florianópolis nos dias em que atua no gabinete da Alesc.

— Saio daqui (Blumenau) pelas 5h. Levanto, tomo um banho rápido, um café e vou. Entro no carro, pego um óculos de sol, que fica guardado no porta-luvas, deito bem o banco, ajeito um travesseiro pequeno no pescoço e peço para o motorista me acordar quando chegar — detalha.

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As viagens são uma paixão: pelo menos 10 carimbos no passaporte lembram os passeios entre a Europa, o Oriente e as Américas. Mas nada supera o sorvete. A compulsão pela sobremesa marcou a campanha do primeiro turno: já no primeiro dia da corrida eleitoral, ao falar ao telefone com a esposa, ele teria mencionado por três vezes que queria tomar um sorvete. O fato chamou a atenção de uma repórter que o acompanhava naquele dia. Descontraído, brinca ao generalizar: não importa a marca, nem o sabor, contanto que seja sorvete. O melhor que já provou foi durante uma viagem à Itália.

— Isso já faz uns quatro anos. Não podia ver uma sorveteria. O melhor foi em Bolonha — sorri ao reviver a memória.

Outro hábito (“ou é uma mania?”, pergunta para o assessor) é retornar todas as ligações perdidas.

— É uma coisa que eu gosto de fazer. Pode até demorar, mas eu ligo de volta para todo mundo — conta orgulhoso, já mexendo no celular para provar.

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Em meio a risos _ dessa vez bem mais espontâneos _, Jean confidencia que, em casa, gosta também de lavar e secar a louça. A esposa tinha adiantado que ela é responsável pela comida, mas a limpeza é com ele, que herdou a ¿paixão¿ pelos afazeres da época em que morava com a mãe. Enquanto ela lavava os apetrechos da cozinha, ele secava e guardava tudo no seu devido lugar. A cena chegou até a ser retratada em uma das propagandas eleitorais durante a campanha passada.

Transitando entre o papel de marido, pai _ da enteada, Isabella, de 11 anos _, filho, amigo e político, Kuhlmann garante: não há uma divisão. Independentemente de onde está, o que impera é o Jean ser humano:

— É claro que em casa, na relação marido e mulher, é uma coisa, mas sigo sendo eu mesmo, com os mesmos princípios e valores, com o mesmo jeito de tratar as pessoas. Jamais vou interpretar um papel quando sou candidato.

Três pilares de proposta

Saúde

Implantação do pronto-socorro 24h na região Norte de Blumenau. A ideia é que a estrutura desafogue o atendimento do Hospital Santo Antônio. A obra seria executada com recursos do governo do Estado.

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Creche

Reduzir o déficit de vagas na educação infantil, que está em torno de 5,1 mil crianças. A ideia é melhorar os atuais espaços e as condições de trabalho, com parcerias com entidades e construção de CEIs onde não existem, usando recursos municipais e federais.

Infraestrutura

Tirar as obras do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) do papel, como a Ponte do Centro.

Leia a carta que Jean Kuhlmann responde porque quer ser prefeito de Blumenau