Reunidas em um dos cantos da sede da Associação de Moradores do Bairro Habitação, as 12 pessoas da família Lima se dividiam entre as crianças desenhando e os adultos esperando o tempo passar. Desabrigados pela enchente que entrou na casa próxima ao Rio Carahá, em Lages, encontraram no abrigo montado pela prefeitura um apoio enquanto a água insiste não baixar. Na terça-feira à tarde, os Lima lamentavam as perdas. A chuva, do lado de fora, diminuiu a esperança:
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— O que a gente conquista, perde tudo. Mas a gente dá um jeito com doação. A gente fica triste, claro, mas a vida segue — projeta William dos Santos Lima.
Mesmo desempregado, ele só pensa em refazer os documentos perdidos com a água para tentar uma nova oportunidade. A família de William é uma das 600 desabrigadas na cidade por conta das chuvas que iniciaram há 10 dias na cidade, deram ma trégua no final de semana e reiniciaram no domingo à noite.
Neste período, o acumulado ultrapassou os 450 milímetros, volume esperado na região em três meses que causou uma das maiores enchentes da história da cidade. Embora não haja dado oficial, moradores e autoridades citam que a situação só é superada pela de 1983. Em abrigos, como os Lima, estão 348 pessoas. Os bairros Integração, Universitário, Caça e Tiro, Vila Nova, Guarujá e Passo Fundo são os mais afetados entre os 48 atingidos.
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Terça-feira à tarde, a água baixava lentamente nos rios Carahá e Ponte Grande, que transbordaram na região. A retomada da rotina, no entanto, ainda está longe de ocorrer. A Defesa Civil trabalha com a previsão de mais chuva para quarta-feira, em volume considerável, e amanhã. O sol, tão esperado, deve aparecer somente na sexta-feira, junto com o frio. Enquanto a normalidade não se restabelece, os Lima e outras famílias dos bairros afetados contavam com o apoio de vizinhos, amigos e desconhecidos.
Cidade unida para ajudar as vítima
Para salvar pelo menos um eletrodoméstico e as roupas, moradores contam com a ajuda de voluntários. O soldado da Polícia Militar Lourison Ezequiel desde segunda-feira de manhã, com uma pequena embarcação a motor, resgata pessoas e apoia na retirada de objetos. Lotado no canil da PM, ele fez pelo menos cinco viagens em diferentes pontos em menos de uma hora na tarde de terça-feira:
— Meu comandante me dispensou do serviço para que eu pudesse ajudar. Assim como o policial, outros moradores se unem à rede de solidariedade.
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Roseane de Liz e Silva e a família, por exemplo, durante terça-feira à tarde levou dois sacos de arroz, batatas e três frangos para o abrigo da Associação de Moradores do Habitação. E não foi a primeira doação dela:
— A gente trouxe ontem (segunda-feira) roupas e cobertas. Essa situação comove a gente. Não podemos ajudar muito, mas se cada um se comovesse e trouxesse algo, auxiliaria todos.
Doações como a de Roseane possibilitaram que os voluntários do abrigo preparassem mais refeições e até lanches para os desabrigados. Rosângela Neves, uma das coordenadores do espaço e também voluntária, diz que constantemente chegam alimentos, roupas e cobertas para as pessoas.
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Ruas e estradas tomadas pela água
O que antes era asfalto na Rua Belisário Ramos, em Lages, foi tomado pela água do Rio Carahá. Principal via de ligação dos bairros Universitário e Habitação, o local se tornou trânsito de pequenos barcos movidos a remos dos moradores que tentam recuperar pouco do que sobrou da enchente iniciada no último domingo. Mesmo tomadas pela esperança de recuperarem alguns pertences, as pessoas atingidas sabem que a situação pode piorar.
Na tarde de terça-feira uma pequena garoa se transformou em chuva mais forte. Terezinha de Oliveira, que há 48 anos mora no Universitário, diz que só viveu situação semelhante em 1983. Ela não perdeu nada, mas o filho não conseguiu salvar o que tinha em casa.
— Meu filho e a mulher dele estavam trabalhando e não conseguimos tirar nada — lamentou.
Pelo menos 7 mil pessoas foram atingidas em Lages, segundo a Defesa Civil da cidade. São 40 bairros afetados. Os moradores passaram a tarde desta terça-feira tirando o que conseguiam torcendo para a água baixar. A chuva, no entanto, mostrou que não pretende dar trégua. A prefeitura ainda não estima valores de danos e perdas.
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Como a cidade é a maior de Santa Catarina em extensão territorial, muitas estradas do interior ainda não passaram por avaliação. A prefeitura diz que pontes foram danificadas em alguns pontos. Em Correia Pinto e Otacílio Costa, cidades vizinhas, os alagamentos também deixaram estragos, de acordo com a Defesa Civil regional.
Apesar do cenário, a Festa do Pinhão, que começa na sexta-feira, está mantida. O diretor da empresa realizadora do evento explica que a festa não pode parar porque ela vai ajudar na recuperação da região, já que é importante para a economia.
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