Você já deve ter ouvido falar em garrafas arremessadas ao mar que percorrem milhares de quilômetros e tempos depois são encontradas por alguém em algum lugar do mundo. Dentro delas geralmente há uma carta. Histórias assim são mais comuns na ficção do que na realidade, correto? Nem tanto. Pelo menos não em Palhoça. No final de junho, uma carta datada de 1955 foi encontrada dentro de uma garrafa de conhaque cimentada entre tijolos na base de uma torre da Capela Imaculada Conceição, no Alto Aririú.

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Descoberta por acaso, enquanto pedreiros trabalhavam na reforma da igreja que completará 100 anos do início de sua construção em dezembro, a carta traz o nome de 53 pessoas que estavam no local em 30 de outubro de 1955, durante a primeira reforma feita na estrutura que começou a ser construída em 1916 e foi concluída em 1918. Hoje, 61 anos depois daquela missa, apenas seis pessoas que assinaram a carta estão vivas.

Fernando Rodar, hoje com 83 anos e morando em Ituporanga, no Alto Vale do Itajaí, recorda daquele distante domingo, quando às 15h, de acordo com a ata, o ex-prefeito de Palhoça, Ari Wagner, convidou os presentes a assinarem o documento, que depois foi guardado dentro de uma garrafa e enterrado em meio aos tijolos e cimento. Fernando era pedreiro e também fazia bicos como pintor. Na igreja, atuou nas duas funções.

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— A missa era para celebrar o início da construção da torre da igreja, e o seu Ari pediu para todos assinarem de brincadeira, como uma forma de diversão e para quem sabe relembrar depois — explica.

No dia em que a carta foi encontrada, Fernando, por coincidência, estava em Palhoça na casa de sobrinhos. Logo foi avisado da descoberta, e voltou à igreja para rever o templo e o documento. Quando voltou para Ituporanga, levava consigo uma cópia do papel, feliz por ter reencontrado um pedaço de seu passado.

— Não imaginava encontrar ela tanto tempo depois — comenta.

Outro que assinou o documento foi João Isidro dos Santos, de Santo Amaro da Imperatriz, hoje com 89 anos. Ele, entretanto, não recorda os detalhes daquele dia. Sua assinatura é uma das primeiras na carta, e junto dela está a de seu irmão, Pedro. João lembra, porém, que trabalhou bastante nas obras da capela que ajudou a reconstruir na década de 50.

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— Eu me lembro do trabalho na igreja, que foi pesado. Me falaram da carta dias atrás, fiquei feliz, mesmo sem lembrar — conta.

Lugar especial na capela

Entre os frequentadores da Capela Imaculada Conceição, o achado da carta no ano de mais uma reforma ¿foi um presente¿ para a comunidade do Alto Aririú. Há duas semanas, pedreiros trabalhavam na obra quebrando paredes quando atingiram um objeto de vidro. Ao tirarem os tijolos do entorno, encontraram uma garrafa de conhaque de alcatrão da marca São João da Barra, muito tradicional à época. Dentro, um papel chamou atenção de todos.

— A pontinha da garrafa quebrou em cima, mas a parte do papel ficou intacta. Botaram cimento em baixo e no lado também — revela o presidente do Conselho Administrativo da Imaculada Conceição, Elésio Carlos Kuhnen, agora o guardião da carta.

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Foi Elésio quem, ao ler o documento, teve um estalo:

— Os mais antigos sempre comentavam que tinha uma carta enterrada aqui na igreja, mas eu jurava que se ela estava enterrada era no chão, nunca imaginei que estaria na parede — brinca, cheio de cuidados com o documento histórico.

Esta é a terceira reforma na estrutura da igreja e, para Elésio, descobrir a carta que teve origem na primeira intervenção no prédio histórico foi ¿uma alegria¿ que chamou a atenção de toda comunidade do Aririú.

— Porque muitos já tinham ouvido falar dessa história, e agora temos certeza que aconteceu. E nós a achamos — comemora.

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Hoje, a carta repousa em uma prateleira da área administrativa da capela, apenas à espera do dia 10 de dezembro, quando uma festa marcará a reinauguração e reabertura do templo à comunidade. Nesse dia, a estrela da festa será a velha folha de papel consumida pelo tempo, que como nos filmes conseguiu unir gerações diferentes através da palavra.

Documento usa grafias antigas

“Acta” e “assignados” são algumas das palavras que possuem grafia diferente da atual na carta idealizada por Ari Wagner. Ele, à época fabriqueiro, como eram chamadas as pessoas que trabalham nas pastorais das igrejas, redigiu o cabeçalho do documento histórico com grafias há muito aposentadas.

Ari não viveu para relembrar a carta, mas seu filho, Renato Wagner, sim.

— Eu estava lá naquele dia, só não sei por que não assinei, devia estar de brincadeira e perdi o momento de assinar. Eu tinha só nove anos — recorda, aos 70 anos, ainda emocionado em falar no que considera um ¿tesouro¿.

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— Quando me contaram da carta, foi emocionante, chorei muito. Senti a presença do meu pai ali, e foi uma surpresa maravilhosa poder relembrar tudo isso. Quando ela ficar exposta, vai ser ainda melhor — acredita.

— Foi como se eu estivesse com o meu pai de novo quando li a carta, lembrei do dia, vi a letra dele e o que ele escreveu — completa.

Inaugurada em 1918, dois anos depois do início de sua construção, a Capela Imaculada Conceição foi reformada em duas ocasiões: 1955 e no início dos anos 1980.

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