Sentado em uma cadeira de rodas e com um sorriso no rosto, João Lucas mostra com orgulho a sigla gravada na camisa branca que cobre o seu corpo magrinho. Para o menino de dez anos e a família, as letras ARCD significam desenvolvimento e transformação. Aos quatro anos, ele começou o tratamento para a paralisia cerebral na Associação de Reabilitação da Criança Deficiente de Joinville e em menos de um ano falava as primeiras palavras. Hoje, apesar de certa dificuldade na fala, é um garoto conversador que gosta de contar histórias.

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– Quero contar uma história para vocês. Mamãe, fala para eles o que você disse para o juiz… – diz o menino, querendo puxar mais uma conversa.

É a deixa para Cristiane Bianchi, 46 anos, relembrar como iniciou o processo de adoção de João, quando ele ainda era bebê. A história é contada quase em um formato de entrevista descontraída: João pergunta, Cristiane responde, revelando a cada frase uma espécie de conto de fadas sobre “como a cegonha entregou o seu bebê no lugar errado e ela precisou buscar o filho em um abrigo. João parece conhecer a história de cor, mas, a cada detalhe descrito pela mãe, ele vibra como se fosse a primeira vez que a escutasse.

Como em todo conto de fadas, há um obstáculo a ser vencido antes do final feliz. Na vida de João e Cristiane, uma nova batalha começou em janeiro, com o anúncio da Prefeitura de Joinville de que assumirá os serviços oferecidos pela ARCD até junho deste ano. A decisão foi tomada após o município receber uma notificação do Tribunal de Contas apontando irregularidades no convênio firmado entre o poder público e a entidade privada.

Com o fechamento da associação previsto para acontecer em junho, cerca de 15 dos 30 profissionais que trabalhavam no local foram demitidos em janeiro. A mudança no quadro de funcionários começou a prejudicar o atendimento aos pacientes, reduzindo as sessões de fisioterapia semanais de João de cinco para uma. Todas as segundas-feiras, ele permanece durante uma hora na ARCD.

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Para tentar evitar prejuízos maiores para o filho, Cristiane paga uma sessão particular por semana, mas cada uma custa R$ 70, valor muito acima do que comporta o orçamento da família. Na semana passada, ela levou o filho para a fisioterapia e ouviu do profissional que João apresenta perdas no desenvolvimento por causa da redução no número de sessões.

– Não estou dizendo que estou à espera de um milagre, mas a gente sai de casa todo dia cedo e corre atrás das fisioterapias justamente para que ele não tenha perdas. A gente sabe que ele não vai sair caminhando do dia para a noite, por isso que são anos de tratamento – explica.

Diretor explica as demissões

O diretor da ARCD, Marcos Martinez, explica que estavam previstas cerca de três demissões no quadro de funcionários da ARCD no início deste ano. O contrato de uma fisioterapeuta que venceu em janeiro não foi renovado. Houve também o desligamento de uma pedagoga e de uma terapeuta ocupacional. No entanto, o município fez o repasse de um valor atrasado para a instituição, o que possibilitou mais demissões de médicos, enfermeiras, assistente social e fisioterapeutas.

Martinez explica que, como a ARCD vai fechar, é necessário fazer a rescisão de contrato de todos os funcionários até o final do convênio com a Prefeitura, em julho. Dos 30 profissionais que trabalhavam na entidade até o ano passado, restaram cerca de 15. O valor que será usado para pagar os desligamentos terá que ser retirado dos R$ 180 mil mensais repassados pelo município.

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– Até maio, temos que pagar todas as folhas e encargos. Se o repasse continua o mesmo e eu já gasto quase 99,9% em folha de pagamento e despesas, quem vai pagar essa conta depois? A Prefeitura não vai querer pagar e nem os conselheiros – afirma o diretor.

O conselho administrativo da associação deve se reunir em março para definir como serão realizadas as novas demissões a partir do próximo mês. No entanto, Martinez explica que a ideia é demitir poucos funcionários a cada mês, de acordo com o dinheiro que sobrar do repasse mensal, para que todos tenham os direitos preservados.

Qualidade no atendimento foi atrativo

Cristiane morava em Herval do Oeste antes de se mudar para Joinville. Lá ela atuava como voluntária em um abrigo de crianças e adotou João Lucas. A mudança para o Norte do Estado aconteceu por causa do tratamento oferecido gratuitamente na ARCD, uma associação de referência no tratamento a pacientes deficientes. Ela deixou os pais e outros três filhos no Oeste e se instalou no bairro Adhemar Garcia, perto da associação, com o marido Aquiles e o filho Gabriel.

– Eu divido a nossa vida em antes e depois da ARCD. O João ganhou muito em qualidade de vida – revela.

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Entre os avanços apresentados pelo menino, estão a capacidade adquirida por ele de conseguir ficar sentado na cadeira de rodas e a resistência nas pernas. Segundo a mãe, o entusiasmo do filho, aliado à contribuição da fisioterapia, faz com que ele consiga ficar em pé por alguns segundos sem ninguém precisar segurá-lo durante as atividades de dança realizadas semanalmente.

Na entidade, o filho tem acesso a várias especialidades, como fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e psicólogo. O atendimento ainda é gratuito e individual.

– Quando somos autorizados em uma clínica particular pelo SUS, percebemos que são dois ou três profissionais atendendo a 30 ou 40 crianças – compara.

Nova discussão na Câmara nesta terça-feira

As mudanças na ARCD serão discutidas nesta terça-feira, a partir das 14h30, em reunião, aberta ao público, da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores de Joinville. O tema foi levado ao Legislativo durante a primeira sessão ordinária do ano, na qual os familiares dos pacientes apresentaram a preocupação de que o serviço ficasse comprometido na cidade. Na semana passada, o assunto começou a ser debatido pela comissão, mas os parlamentares decidiram marcar novo encontro para aprofundar a discussão e intermediar a conversa entre as famílias e a Prefeitura.

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Para a reunião desta terça-feira, os vereadores Maurício Peixer (PR), Odir Nunes (PSDB) e Rodrigo Fachini (PMDB), integrantes da comissão, convidaram representantes da Secretaria da Saúde, Secretaria da Fazenda, Procuradoria-geral do Município, Conselho Municipal de Saúde, Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comde), Ministério Público a administração da ARCD para dar esclarecimentos sobre as mudanças.

Atendimento com novos profissionais

Na tarde de segunda-feira, nove profissionais da Secretaria da Saúde começaram a trabalhar no prédio da ARCD, onde, a partir de julho, começará a funcionar o Centro Especializado em Reabilitação (CER). O local reunirá os atendimentos da antiga associação e dos pacientes do Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial (Naipe).

São dois fisioterapeutas, um fisiatra, três terapeutas ocupacionais, um fonoaudiólogo, um psicólogo e um assistente social, além de mais duas pessoas para dar apoio administrativo. Eles vão se ambientar com a estrutura, conversar com a equipe da associação, conhecer o histórico de alguns pacientes e ajudar a estipular as prioridades de atendimento. Segundo a gerente dos serviços especiais da Secretaria da Saúde, Cinthia Friedrich, eles devem começar a atender aos pacientes ainda nesta semana.

– Nossa maior preocupação neste momento é dar conta desses usuários que estão ficando sem atendimento. A gente tem duas etapas: a primeira é dar continuidade aos atendimentos para ninguém ter prejuízo e o segundo é criar o novo protocolo de atendimento – explica.

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Outros oito profissionais que fizeram concurso público estão sendo convocados pelo município. O processo ainda está em trâmite e deverá somar ao quadro do CER quatro fisioterapeutas, dois terapeutas ocupacionais e dois psicólogos. Cinthia também salienta que o novo centro de reabilitação contará com especialidades que hoje não são agregadas pela associação, como neuropediatria, pediatria, genética e odontologia especializada.

A expectativa dela é de que ao final da transição dos serviços, em torno de 50 profissionais atendam aos pacientes com deficiência física e intelectual, que atualmente são atendidos separadamente pela ARCD e Naipe. Até o final de 2016, as duas entidades contavam com 30 e 41 funcionários, respectivamente. Segundo Cinthia, o investimento em folha de pagamento do novo serviço será de R$ 300 mil por mês. Hoje, são repassados R$ 180 mil para todas as despesas da ARCD e R$ 241 mil para cobrir a folha do Naipe.