A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma ação civil pública nesta quarta-feira na Justiça Federal para que as famílias de pescadores artesanais da comunidade de São Miguel, em Biguaçu, na Grande Florianópolis, possam permanecer morando e trabalhando no local. Cerca de 60 famílias que moram às margens da BR-101 estão ameaçadas de despejo.

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A concessionária da rodovia, Autopista Litoral Sul, alega que os imóveis ficam na faixa de domínio da via, onde não são permitidas construções. Moradores já receberam notificação de que devem deixar suas casas sem direito a indenização. A DPU pede também à Justiça que as ações individuais contra cada família sejam suspensas imediatamente e julgadas improcedentes ao final do trâmite da ação civil pública.

— Hoje a comunidade é composta em grande parte da 2ª ou 3ª gerações de pescadores; o local pode ser considerado de multiplicação da cultura da pesca e subsistência; nesta condição, está protegida por diversos regulamentos internacionais — argumenta o defensor regional de Direitos Humanos de Santa Catarina, João Panitz, na ação.

Panitz explica que o início da ocupação do local por pescadores artesanais ocorreu antes mesmo da obra da rodovia em faixa simples, em 1957. Documentos anexados ao processo, como carteiras de pescador e fotos, fundamentam essa afirmação. Durante a duplicação da rodovia, a partir de 1985, também houve grande esforço das famílias para permanecerem na Praia de Baixo, conforme relatos dos moradores. Panitz conclui que não há possibilidade de realocação em área distante da praia, coincidindo com o interesse das famílias. A Câmara de Vereadores de Biguaçu também aprovou e encaminhou à DPU uma moção de apoio à permanência da comunidade.

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— O objetivo principal desta ação civil pública é a manutenção da comunidade em seu local, mediante a adoção de providências que permitam a coexistência com o fluxo da rodovia BR-101 — resume Panitz.

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Redução de velocidade no trecho

Entre as medidas sugeridas à Autopista Litoral Sul e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), rés na ação, estão a redução da velocidade da via naquele trecho, a colocação de placas de sinalização e a correção de declividades. A fim de confirmar a situação regular das construções na Praia de Baixo, a DPU defende que a área já é dotada de equipamentos públicos, como sistema de iluminação, fornecimento de água e energia elétrica.

Vários imóveis estão inscritos na Secretaria do Patrimônio da União, por estarem localizados em terrenos de Marinha, e seus proprietários pagam Taxa de Ocupação — também um argumento para comprovar a consolidação da comunidade.

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Conforme o pedido, a Autopista Litoral Sul deve apresentar a lista completa de ações que ingressou referentes à área — uma relação de 36 processos consta na ação civil pública. No pedido liminar, a DPU solicita uma audiência de tentativa de conciliação com participação dos moradores da região e que já sejam iniciadas obras para aumento da segurança. Também pede que seja vedado aos réus a entrada nas áreas sem autorização ou a perturbação da posse das famílias, com o corte do fornecimento de água e energia elétrica, por exemplo.

Proteção

De acordo com a DPU, comunidades tradicionais, como pescadores artesanais, indígenas e quilombolas, são “grupos culturalmente diferenciados” que, entre outras características, “ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. A definição está no Decreto 6.040/2007, da Presidência da República, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Esses grupos são protegidos por dispositivos legais nacionais e internacionais, como a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho.

Autopista argumenta que área não deve ser ocupada

A concessionária defendeu-se, segundo o que consta no processo, dizendo que a “área em questão se insere em faixa de domínio, estendendo-se também sobre a área non aeidificandi (não edificante), sendo sua atribuição, na condição de concessionária de serviço público, inclusive por expressa disposição contratual, zelar pelos bens que integram o patrimônio concedido e cumprir as demais obrigações decorrentes do contrato de concessão”.

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Em nota encaminhada à Hora, no mês de junho, a concessionária confirmou que o “objetivo das ações judiciais movidas pela concessionária é restabelecer as áreas federais ocupadas de forma irregular, que comprometem a segurança viária no km 190 da BR-101. A reintegração de posse, ao ser concedida pela Justiça Federal, tem como consequência a demolição das ocupações irregulares existentes em faixa de domínio”.

“A concessionária segue as regras do DNIT de confirmação da faixa de extensão que decorre do Decreto de Utilidade Pública. De acordo com o contrato de concessão, a preservação da faixa de domínio da União e a adoção de medidas operacionais para segurança dos usuários ao longo da BR-101, entre Garuva e Palhoça, são obrigações da Autopista Litoral Sul. Além disso, a concessionária zela pela segurança dos próprios moradores que convivem nestas áreas em situação de risco”.

Prefeitura faz estudo antropológico

A prefeitura afirma já ter começado a realizar um estudo antropológico, com membros da Fundação Municipal do Meio Ambiente e da Secretaria de Planejamento, para comprovar que os moradores já estão ali há tempo suficiente e que dependem do local para seu sustento. Colaboram ainda na reunião de documentos para que os moradores consigam confirmar que possuem a posse dos imóveis.

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