Coronel aposentado do Exército e especialista em segurança, Eugênio Moretzsohn falou ao Diário Catarinense sobre a abordagem policial e todas as dúvidas que cercam o tema. Nos últimos dias, o assunto voltou a ser discutido em razão da morte do surfista Ricardo dos Santos, o Ricardinho. O atleta foi baleado na Guarda do Embaú, em Palhoça, por um soldado da Polícia Militar (PM) de férias.
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Confira a entrevista com o especialista em segurança Eugênio Moretzsohn:
Como deve ser a abordagem às pessoas por um policial armado na rua ou dentro do seu carro a partir de uma situação de discussão?
A primeira missão de um policial é proteger a vida. Todas as vidas (a dele e a vida do suspeito inclusive). Essa missão transcende o fato de estar ou não de folga. Portanto, sempre deve ter em mente que o treinamento, durante o qual foi-lhe ensinado intensivamente quais são os protocolos a ser cumpridos nas diversas situações de conflito. Ao obedecer as normas de engajamento de uso progressivo da força ensinados no treinamento, o policial não perderá a razão. Não importa se são mais pessoas, se o policial está de folga, está dentro do carro ou fora dele. Ao cumprir o que lhe foi ensinado, adaptando situações semelhantes à luz do bom-senso, certamente poderá contornar situações conflituosas sem piorá-las.
E se uma ou várias dessas pessoas estiverem portando facão e virem para cima dele?
Essa situação, se é que ocorreu, é de difícil solução. Porém, o uso do armamento precisa ser progressivo, ou seja, avisar as pessoas de que irá sacar a arma, sacar a arma, disparo de advertência, disparo visando partes não-letais do corpo, especialmente canela e pés, e, se tudo isso falhar, disparo letal. Claro que podem ocorrer situações extremas em que essas fases não poderão ser obedecidas, sob pena de elevado risco de morte do policial; porém, são exceções, pois a maioria dos conflitos é de caráter progressivo, ou seja, “vem crescendo até ocorrer”
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Em que ponto é permitido atirar na pessoa?
Se for ponto do corpo, é recomendado visar inicialmente as extremidades (pés, canelas, mãos e braços). São tiros incapacitantes. Porém, se a vida do policial (ou de terceiros) estiver sob grave risco, ele poderá fazer o tiro de comprometimento. Claro, terá de responder por isso.
Há uma regra geral que as polícias devem seguir sobre abordagens?
Sim, há protocolos, a maioria deles internacional, formulados por polícias formadoras de doutrina, como a polícia de Los Angeles. Importante lembrar que esse homicídio não foi causado por um policial que abordou desastradamente sua vítima desobedecendo os protocolos; creio que foi a partir de uma discussão, e não de uma abordagem. Na discussão prevalece a passionalidade, o orgulho ferido, talvez até por ofensas (injúrias), o que não justifica o crime, claro. Policial preparado tem controle emocional até para sofrer cusparada no rosto.
Qual a sua opinião do histórico de casos das abordagens de pessoas feitas pelas polícias Civil e Militar de Santa Catarina?
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A PM em especial, que tem contato direto com a população, precisa caprichar mais na polidez do trato com as pessoas. Sei que muitos são esforçados, procuram acertar, são generosos, se envolvem em missões sociais – por exemplo o tenente-coronel Araújo Gomes, para mim o mais completo oficial da PM -, mas eu me relaciono com muita gente e ouço muita reclamação de vítimas de grosserias, principalmente contra minorias. Brutalidade (empurrões) e palavras chulas. Falta educação, sim. Falta respeito, sim. Falta tato. E, principalmente, falta a capacidade de capturar informações úteis por meio da conversa, criando um clima de confiança e até cumplicidade (cumplicidade positiva, claro), com o cidadão na rua. Você percebe a viatura passando, a dupla de PMs passando, mas sem interagir, sem aquela conversa com o taxista, com o moto-boy, com o porteiro do condomínio, com o frentista no posto, que são pessoas que circulam ou que conhecem muitas outras e estão ali há muito tempo.
Como melhorar a formação dos policiais a ponto de se evitar casos como a morte do surfista Ricardo dos Santos?
Selecionar bem, por meio de entrevistas e exames psicotécnicos que passem na peneira os aprovados no concurso. Sou contra essa moda de ter nível superior, pois isso, na prática, impede a contratação de jovens vocacionados e faz da polícia uma carreira de passagem. É por isso que nunca há efetivo suficiente. Formar o policial com os rigores da disciplina militar, com os valores da cultura militar, mas sem confundir as coisas: a missão do policial é proteger as pessoas; a do militar é matar o inimigo invasor de seu país. Formação continuada: o PM fica muito tempo fora do quartel. Precisa reciclar sempre. Fazer treinamentos semanais sobre abordagens, tiro prático, lutas, e, claro, comunicação social, relacionamento com pessoas, boas práticas de urbanidade.
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