O tempo parece passar diferente entre as paredes da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil. Por isso, os 18 anos completados neste dia 15 de março de 2018 pela única instituição que tem a permissão de usar a marca Bolshoi fora da prestigiada companhia de balé da Rússia, não são um sinônimo de maioridade. Ela já foi conquistada há alguns anos, com a mesma precocidade que seus alunos costumam demonstrar, que chega antes mesmo do fim da juventude. Se ela pudesse ser materializada, certamente teria a postura e a segurança na voz do joinvilense Maikon Golini. Prestes a fazer 26 anos, ele divide sua história com a da escola e, apesar de passar diariamente pela mesma porta há quase duas décadas, encontra ali desafios e novidades que promovem o crescimento — dele e da instituição.
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A sede do Bolshoi Brasil estava em formação quando Maikon chegou, ainda sem saber exatamente o que era balé nem o que seria ensinado ali. Tinha sete anos quando foi um dos selecionados em escolas públicas de Joinville para formar a primeira turma de um projeto que, até então, parecia apenas a promessa de um sonho muito distante.
— Sabíamos que estávamos estudando para ser bailarinos, mas não tínhamos ninguém próximo para ser esta referência, então tínhamos que confiar muito no que os professores diziam para a gente. Nós éramos os bailarinos em construção — recorda.
Ele sabia, no entanto, ao colocar as sapatilhas pela primeira vez, que estava dando início ao próprio projeto de vida. E confirmou o sentimento quando, em 2001, a Escola Bolshoi realizou sua primeira apresentação, uma Mostra Didática, no Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília. Diante de uma sala lotada com capacidade para mais de mil pessoas, Maikon recebeu os primeiros aplausos de uma plateia. Eram, também, as primeiras palmas para o Bolshoi brasileiro, que ousava levar ao palco alunos com apenas dois anos de estudos para executar trechos de clássicos como o Pas-de-Trois de O Quebra-nozes dançando por Maikon.
Na engrenagem acelerada do Bolshoi, a "adolescência" chegou no sétimo ano de fundação, com o primeiro grande passo de autonomia que levou seus alunos, ainda adolescentes, para o outro lado do mundo, na "terra do sonhos". Maikon e outros 32 alunos viajaram para Rússia, para duas semanas de intercâmbio com o Balé Bolshoi de Moscou, e realizaram apresentações no grande teatro da companhia e no Teatro Natália Sats, onde foram assistidos por uma plateia russa formada por artistas da dança curiosos para entender o trabalho da escola sediada em Joinville.
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— Imagine, aos 14 anos, fazer aulas com os professores russos, ao lado dos bailarinos do Bolshoi de Moscou? Foi um momento de muita expectativa para todo mundo, não só para quem foi para a viagem. Nós estávamos crescendo, e a escola também — avalia.
Chegada da maturidade
Seis anos depois, Maikon retornaria à Rússia para um novo intercâmbio, mas, desta vez, com foco profissional. Ele havia se tornado o professor mais jovem da história da escola, contratado aos 17 anos, e, em 2012, voltou ao "berço" russo para, durante um mês, compreender a logística do Teatro Bolshoi e de sua companhia de balé, uma das mais antigas do mundo. Quando voltou, foi para encontrar a escola brasileira fazendo trabalho de "gente grande": a montagem do 3º ato do Balé Raymonda. Ele havia acompanhado os ensaios da mesma obra no Bolshoi de Moscou e trouxe a experiência para dividir entre os outros professores e profissionais do Brasil que, naquele ano, assumiram pela primeira vez a responsabilidade pela produção artística do espetáculo, da preparação dos bailarinos ao cenário e figurinos.
— Foi importante ver como um grande teatro constrói seus espetáculos. Voltei renovado e querendo oxigenar a escola com aquelas ideias — conta Maikon.
Se aquele parecia um momento de evolução, dois anos depois o jovem viu aquele que pode ser considerado o grande momento de maioridade da Escola Bolshoi. Em 2014, a instituição montou o balé O Quebra-nozes, em uma versão feita especialmente para a escola brasileira pelo ex-diretor artístico do Bolshoi de Moscou, Vladimir Vasiliev. Da mesma forma que na história da instituição, Maikon estava presente do início ao fim: ele assumiu o papel de Drosselmeyer, um dos protagonistas do balé, que na versão de Vasiliev, estava no palco em praticamente todos os momentos do espetáculo.
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— Foi um desafio porque eu era professor, ensaiava o espetáculo, mas também estava em cena. Mas foi ali que eu consegui enxergar a evolução de tudo o que a escola já tinha vivido. Foi um marco, e a melhor herança que Vasiliev poderia nos dar — afirma.
Nova geração de protagonistas
Como testemunha da evolução da Escola Bolshoi, não é à toa que esta linha do tempo seja a narrativa escolhida por Maikon Golini para apresentar o trabalho da instituição nos espetáculos de aniversário que ocorreram nesta quarta-feira e voltam a acontecer na noite de quinta-feira no Teatro Juarez Machado. Ele é o ensaísta da Gala de Aniversário e optou por organizar o repertório de uma forma que torne-se claro ao espectador como é o desenvolvimento do estudante de dança dentro do Bolshoi. Por isso, o programa começa com apresentações da Marcha Suvorovtsky e da Polonaise, apresentadas pelos alunos da primeira e da segunda série, e chegam a Valsa Brilhante, coreografia de dança clássica criada pelo próprio Maikon.
— Em cena, temos alunos da 4ª e da 5ª série, o que transmite o ar de juventude que o espetáculo pede. A intenção é representar uma festa, como se fosse um grande baile em comemoração aos 18 anos da escola — explica o professor.
A obra ficará no repertório da escola, e representa mais um ciclo na vida de Maikon e do Bolshoi. É a segunda coreografia do jovem profissional a entrar para a lista de obras do Bolshoi, e é um movimento que a instituição começa a fazer para que seus professores também tornem-se coreógrafos e renovem o repertório, comumente formado por obras clássicas e por trabalhos de outros diretores brasileiros.
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Maikon lembra, e assume sem culpa, que durante um bom tempo o Bolshoi brasileiro esteve fechado como uma comunidade paralela, que dedicava-se integralmente àqueles que passavam na disputada seletiva anual. Era o período de desenvolvimento para tornar a base forte o suficiente para que a escola pudesse irradir conhecimento para o resto do País.
Desde 2016, a instituição passou a oferecer cursos de férias com matrículas abertas sem pré-requisitos para níveis de formação ou biotipo. Entre as aulas, estão a do Método Vaganova para Professores, em que Maikon ensina a outros profissionais não só a metodologia aplicada pela instituição, mas também como ela é transmitida aos alunos. É o símbolo de maturidade para ele, que assume o papel de orientador de professores que, muitas vezes, tem mais idade e mais anos de experiências do que ele; e para a escola, que aguardava exatamente este momento: aquele em que seus primeiros alunos assumiriam a posição de protagonistas da história.