Saudade não tem forma, tampouco rosto, nem preço. A vida é frágil e passageira. O diamante é a mais resistente matéria da natureza. Para alguns, as três sentenças fazem sentido para tornar vívida a lembrança e carregar consigo uma parte de quem se foi ao transformar cinzas ou fios de cabelo em gema de diamante. O serviço, ainda pouco conhecido, é oferecido em Balneário Camboriú pelo Crematório Vaticano, pioneiro a dispor da técnica no país.
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Em parceria com a empresa Algordanza, da Suíça, o crematório brasileiro recolhe cerca de 500 gramas das cinzas e encaminha para o laboratório europeu. Misturado a um minúsculo fragmento de diamante natural, as cinzas são submetidas a altas temperaturas e à pressão por algumas semanas. O resultado é a formação de uma gema com as mesmas características do diamante natural. A peça é lapidada e então enviada de volta aos familiares. Se a pedra fará parte de um anel ou colar, fica a cargo da família.
Moradora de Curitiba e proprietária de um apartamento em Balneário Camboriú, a administradora de empresas Vera Lúcia Pimentel guarda delicadamente em uma caixinha de joias, no criado mudo do quarto, a lembrança do filho Paulo. O rapaz de 21 anos praticava triatlo e morreu em setembro de 2012, após se acidentar de bicicleta. Os órgãos foram doados e o corpo, cremado. Ao saber que as cinzas poderiam ser usadas para confeccionar um diamante, Vera não desperdiçou a oportunidade de homenagear o filho e eternizar sua presença:
– Fiz para ter uma lembrança dele mais perto de mim. Como acho muito triste o cemitério, optei pelo crematório e como me deram a opção de ter uma lembrança dele perto de mim, achei que era algo puro, de valor inestimável. É eterno, uma coisa de mãe.
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O brilhante de 1 quilate acompanha Vera a todos os lugares para onde viaja. O restante das cinzas, ela distribuiu e fez uma capela para ele na fazenda da família, último lugar onde esteve antes de partir.
Homenagens em obras de arte
As cinzas misturadas à tinta ou ao gesso já incorporaram quadros e esculturas em ações feitas pelo Crematório Vaticano, mas nada mobilizou tanto as pessoas como a possibilidade de transformar as cinzas em diamante ou misturá-las a peças de cristal, afirma o gerente de marketing do Crematório Vaticano, Luís Henrique da Silva.
– A cremação no país é um processo novo, tem muitos tabus. Nossa cultura ainda é de ter um ponto de encontro com a pessoa falecida. Ao longo do tempo, no crematório, criamos facilidades para a cremação e salas de memória, onde as famílias podem guardar as cinzas. Depois de algum tempo, elas passaram a ter o desejo de levar um pouco das cinzas para casa. Por isso, buscamos essas opções como uma forma de homenagem – afirma Silva.
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Hoje, a unidade do Vaticano, em Balneário Camboriú, oferecerá um serviço gratuito para quem levar as cinzas dos familiares. Um artesão vai transformar as cinzas em peças de cristal.
Instrução da Igreja Católica questiona a cremação e os adornos
O Crematório Vaticano foi o primeiro inaugurado em Santa Catarina. Hoje, segundo a Fatma, há 20 empresas do setor inscritas no órgão. Apesar da tendência no mundo todo, na semana passada, a direção da Igreja Católica divulgou uma instrução aos fieis recomendando que cinzas de familiares cremados não sejam espalhadas nem conservadas em casa.
De acordo com o documento, se for escolhida a cremação, as cinzas devem ser mantidas em lugar sacro ou público, como nos cemitérios. Além disso, a Igreja proíbe que sejam transformadas em lembranças comemorativas e objetos de joalheria. Caso o morto tenha expressado em vida o desejo de ser cremado por razões contrárias à fé cristã, a Igreja deve negar a realização do funeral.
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Vigário geral da Arquidiocese de Florianópolis, o padre Vitor Feller explica que desde 1963 a Igreja permite a cremação. Mas a prática só é aceita em duas situações: desde que a pessoa não contrarie em vida a crença na Ressurreição no Juízo Final ou se as cinzas forem armazenadas em local público (sepultura ou cripta), mas não espalhadas:
– A Igreja entende que o corpo, nesse caso as cinzas, não pertence a uma família, pertence a todo mundo. A ideia é que todos tenham acesso à oração pelos mortos, como ocorre nos cemitérios.
Segundo o padre Vitor, as paróquias que integram a Arquidiocese de Florianópolis já vêm discutindo a necessidade de criar espaços específicos para armazenar as cinzas dos fieis.
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Como a produção do diamante usa apenas parte das cinzas, o gerente de marketing do Crematório Vaticano, Luís Henrique da Silva, afirma que algumas pessoas têm tido dúvidas e optado pela confecção do diamante por meio de fios de cabelo.
– Confeccionar o diamante dessa forma não era muito procurado. Depois dessa nova orientação da Igreja, já tiveram vários clientes que estavam negociando fazer um brilhante a partir de cinzas e decidiram fazer a partir de fios.
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