Esta reportagem foi originalmente publicada no projeto Minha História, Meu Patrimônio, do A Notícia. Recorde a história:
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Sede da Prefeitura de Joinville durante 22 anos, é possível que a lembrança do Poder Executivo ocupando a construção localizada no encontro entre as ruas Max Colin e João Colin seja mais forte que a função original para a qual foi designada. A proporção, localização e a torre de esquina até pressupõem que o imóvel tenha sido projetado para receber o poder municipal. Mas não. A planta do prédio, que tem uma parte guardada no Arquivo Histórico, revela um padrão mundial seguido pelas revendedoras da marca Ford em meados do século 20.
Foi com a venda de veículos que o libanês João Buatim teve contato com Joinville na década de 50, quando não chegava a 400 o número de automóveis rodando nas ruas da cidade. O imigrante chegou com poucos recursos a Santa Catarina em 1923 e se beneficiou do período de grande desenvolvimento econômico brasileiro. Montou oficina mecânica em Blumenau e logo passou para o ramo de revenda de veículos. João foi proprietário das agências Ford em Rio do Sul, Lages e Joinville.
— Ele (João Buatim) era um empreendedor. Abria os negócios e trazia os sobrinhos do Líbano para ajudar a administrá-los – conta o neto Antônio Eduardo Buatim Faria, que dá continuidade à empresa do avô em Rio do Sul.
Finalizada em 1954, a unidade de Joinville só não era parecida com as demais da rede em relação à altura da torre. De acordo com Michel Scaff, integrante da família que ficou com a gerência da loja, o imigrante queria ter acesso a uma visão privilegiada do crescimento de Joinville e, por isso, aumentou a "mamadeira", como ficou popularmente conhecido o topo do cilindro, devido ao seu formato. Mesmo com a construção de grandes edifícios ao redor, a vista de 360º da torre continua privilegiada.
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Além de abrigar a exposição de carros à venda, o primeiro piso contemplava um galpão com oficina e garagem, e servia para todo o atendimento ao público. Já o andar superior era dividido em dois apartamentos, onde morava a gerência da revenda.
A Ford funcionou no endereço até 1968. Segundo Scaff, o fechamento da loja foi uma decisão familiar. A bandeira da Ford foi vendida e o prédio continuou sendo da família até ser comprado pela Prefeitura, em 2003. A unidade de Joinville foi a única construção do padrão da época que ainda existe em Santa Catarina.
Ponto de chegada e partida
Depois de desocupado pela Ford, o imóvel dos Buatim chegou a servir de ginásio para os Jogos Abertos, mas foi a rodoviária a primeira função se estabelecer no local. Hoje, é quase impossível imaginar o embarque e desembarque de passageiros em plena movimentação do Centro de Joinville — ainda mais ocupando parte de uma via como a Max Colin – mas, em 1971, a cidade tinha pouco mais de 120 mil habitantes.
A mudança da rodoviária para um prédio alugado foi uma medida temporária. Até aquele ano, o serviço de transporte intermunicipal e interestadual atendia na rua Princesa Isabel, em uma construção de 1923, conhecida como Edifício Eugênio Lepper, que continua de pé. Foi a última casa da rodoviária antes da mudança definitiva para o bairro Anita Garibaldi, próximo à BR-101.
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Por dois anos, os ônibus estacionaram na rua Max Colin para embarque e desembarque. Não havia muitas filas de veículos: além do trem disputar a preferência dos passageiros, não eram muitas as linhas disponíveis. Esther Hoepsmer lembra que, quando os filhos iam estudar em Florianópolis, tinham poucas opções de horários para voltar à Capital aos fins de semana, após visitarem a família.
— Comprávamos a passagem ali mesmo e eles embarcavam quase na esquina com a João Colin — recorda.
O guichê de passagens ficava atrás da torre, e era comum a espera na calçada, em um abrigo adaptado.
Casa do poder
O maior tempo de uso do imóvel foi pelo Poder Executivo. Os 22 anos em que o imóvel da esquina ficou aberto à administração pública deixaram marcas não só na memória dos joinvilenses, mas também no prédio. Adaptações internas foram feitas na antiga Agência Ford para receber os departamentos públicos.
A arquiteta Rosana Barreto Martins trabalhou na Prefeitura de 1985 a 1989, e lembra que outro imóvel em frente à antiga concessionária (onde hoje está a Pizzaria Totens) era usado pela Secretaria de Planejamento. A ex funcionária atravessava diariamente a Max Colin para acessar o setor de licitações e participar de reuniões.
— Com o tempo, o prédio foi perdendo os registros de sua história devido às várias alterações — conta.
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Enquanto o atendimento ao público ocorria no primeiro piso, o gabinete do prefeito – passaram por lá Pedro Ivo Campos, Luiz Henrique da Silveira, Wittich Freitag e Luiz Gomes – ficava no andar superior. No galpão dos fundos, havia o estacionamento dos funcionários.
Esta foi a quinta sede da Prefeitura de Joinville, que passou pelas ruas Nove de Março, do Príncipe e Padre Carlos. O último endereço precisou ser abandonado para permitir as obras na avenida Juscelino Kubitschek. O uso do imóvel era provisório até que a Prefeitura construísse uma sede própria. E foi o que aconteceu, duas décadas depois, com a mudança para a moderna estrutura às margens do rio Cachoeira, em 1996.
Apesar de não precisar mais do imóvel da família Buatim como sede, o município decidiu comprá-lo. O governo da época ofereceu R$ 215 mil, valor que constava no cadastro do IPTU. Os proprietários entraram na Justiça e o processo se arrastou até 2003, quando houve o acordo de pagamento de R$ 3 milhões, sendo R$ 1,847 milhão pelo imóvel e R$ 1,223 milhão de indenização pelo uso e desgaste das instalações. A intenção era transferir unidades que ocupavam imóveis alugados e diminuir as despesas da prefeitura.
Atualização (dezembro/2019): Em 2016, o local foi reformado, em um investimento de R$ 200 mil, e passou a abrigar a Secretaria de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável (Sepud). Em novembro de 2019, o órgão passou a trabalhar temporariamente no prédio da Sociedade Harmonia-Lyra e foram anunciadas as obras de restauro, em uma obra que vai custar R$ 2,2 milhões.
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