A socióloga e pesquisadora dos programas de pós-graduação em Políticas Sociais e Cidadania e de Famílias nas Sociedades Contemporâneas da Universidade Católica de Salvador, Mary Garcia Castro, aborda que as novas gerações buscam maior autonomia, inclusive na carreira e questionam a maternidade como destino das mulheres. Mas Mary, que é uma das organizadoras do livro Família, gênero e gerações e membro da União Brasileira de Mulheres, lembra que ainda há inúmeros desafios para que as mulheres avancem mais nas questões como maternidade e carreira.

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Avós, mães e filhas demonstram a evolução do feminismo dentro das famílias

É perceptível a mudança de discurso e comportamento das diferentes gerações a assuntos relacionados a mulheres?

São perceptíveis várias mudanças como também muitas permanências, por exemplo, entre essas as amarras do amor romântico e a dependência econômica de tantas mulheres. Porém no cômputo geral, nós, e em especial nossas filhas e netas, avançam e muito. Mas como uma característica destes tempos é a diversidade, as referências são a tendências gerais, que de acordo com as oportunidades, o meio social e biografias variam. De fato vem se avançando nas últimas décadas de forma mais acelerada. Nota-se uma ampliação inclusive no campo da sexualidade; questionamento sobre a maternidade como único destino, e a busca por conjugação entre carreira e vida afetiva, sendo que em muitos casos, a primeira remodela a outra.

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Essa mudança está mais relacionada a geração ou a outros fatores?

Os fatores são diversos, como os relacionados à modernidade, urbanização e pelo eco das propostas feministas de emancipação. Mas de fato ha nítidas variações relacionadas à geração, entendida essa como tempo vivido e não somente a idade. Quanto a gênero são várias as pesquisas com jovens em escolas que alertam para um mais amplo sentido de transgressão de normas de gerações anteriores, entre as mulheres ou meninas. Principalmente no que diz respeito às relações entre sexos e gênero, maior busca de autonomia e interesse por carreiras assim como o questionamento da maternidade como destino de mulher. Há uma vontade de experimentar muito positiva, mesmo que arriscada, na geração mais jovem. Mas são mudanças sutis que não necessariamente se afirmam como absolutas e não são tranquilas.

Quando houve uma verdadeira ruptura no pensamento e comportamento acerca desses temas (papel da mulher, divisão de tarefas, carreira)?

Não há propriamente rupturas e estamos nessa última década, em especial nos últimos anos, no Brasil, vivendo uma investida conservadora de cunho fundamentalista que pode inclusive minar conquistas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos. É quando se criminaliza o debate sobre gênero. No plano de relações sociais de gênero, sim, os conflitos têm sido mais intensos nas relações intergeracionais. Com o aumento da escolaridade das mulheres jovens, maior exposição a informações, ampliação dos círculos de relações, maior possibilidade de controle da reprodução e aumento das alternativas de trabalho seria esperado que as gerações atuais não sejam tão dóceis a modelos de vida seriados, e abertas a diversificar tipos de família ou de uniões.

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E esse conflito é positivo?

Poderia e deveria. Os conflitos não resultam necessariamente em guerra entre gerações, principalmente no âmbito familiar. Os vínculos afetivos tendem a resistir e se amoldar a mudanças de costumes. Os conflitos de visões de mundo seriam positivos se houvesse de fato oportunidades ou ambientes acolhedores no público para as novas gerações perseguirem autonomia, mesmo a trancos e barrancos. Em pesquisa com jovens entre 15 a 29 anos que realizamos era comum ouvir que esses se consideravam melhor que seus pais em termos de oportunidades educacionais, de vivência da sexualidade e liberdade do ir e vir, mas se consideravam bem pior em termos de oportunidades de trabalho e segurança pública e social.

O que ainda falta para avançar?

Em todas as frentes houve avanços em condições de vida das mulheres atrelado a um feminismo que advogou políticas publicas, serviços de saúde contra a mortalidade materna, atendimento neonatal e direitos trabalhistas como licença-maternidade. Mas várias analises demonstram que tais tentativas de inclusão não necessariamente acabaram com brechas históricas, como a diferença de mulheres em cargos públicos. A qualidade da educação nas escolas, e a formação educacional por direitos e diversidade deixa muito a desejar e não colaboram, ao contrário, para que as mulheres venham a ser respeitadas e se identifiquem como sujeitos de suas vontades.