Na família Campos, Daniela sempre sonhou em casar e ter filhos. Mas a maternidade não está nos planos para o futuro da filha dela, Laís, e casamento, só se for pela praticidade. Entre as Valverde, assim como a avó Mariza, Yasmin acredita que homens e mulheres devem dividir as tarefas domésticas, mas reconhece que em sua casa não é exatamente isso que acontece. No lar das Peixoto, nem Clarissa, nem Helena acreditam que exista profissão de homem ou de mulher e ambas concordam que não há justificativas para salários diferentes.
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Debates sobre os direitos femininos marcam o dia da mulher em Santa Catarina
Maternidade, divisão de tarefas domésticas e carreira são algumas das questões que tendem a avançar a cada geração. Para saber se há evolução no debate de gênero entre mulheres de diferentes idades, o Diário Catarinense entrevistou integrantes de distintas gerações sobre as temáticas sugeridas pela coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero e História (Legh) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Cristina Scheibe Wolff.
Possíveis divergências podem gerar conflitos, mas também provocam reflexão e até mudança de comportamento. Independentemente da geração, ainda há desafios pela frente.
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– Houve uma mudança muito grande nas últimas décadas, especialmente das nossas avós para hoje. Mas infelizmente não está em todos os lugares da sociedade, ao mesmo tempo em que temos grupos de pessoas que estão se mobilizando, contestadoras, temos reação dos setores mais conservadores da sociedade e que são pessoas jovens também. Não é só a geração que define isso – diz Cristina.
Para os que enfrentam conflitos em casa, a dica é praticar a empatia. Colocar-se no lugar do outro pode nos tornar mais flexíveis e estabelecer uma relação de respeito:
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– Quando nos colocamos no universo do outro, conseguimos compreender o modo como reagem a nossas atitudes. Aí sim conseguimos trilhar um caminho pacífico – diz a psicóloga Giselle Dechen.
Vídeo: Gerações diferentes de mulheres debatem temas ainda conflituosos do universo feminino e mostram como cada geração enxerga o papel da mulher:
“Não é porque alguém nasceu com útero que tem a obrigação de ser mãe”, diz a filha. Já a mãe: “Se alguém não quiser ser mãe é uma escolha e devemos respeitar. Mas fico intrigada: como alguém pode não querer passar por isso?”
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Uma das mudanças mais significativas talvez esteja em pontos considerados até então fundamentais na vida da mulher: o casamento e a maternidade. A médica Daniela Campos Maciel, 46 anos, conta emocionada que sempre sonhou em ser mãe e planejava o casamento ideal. A primogênita, a acadêmica de biologia da UFSC, Laís Campos Souza, de 25 anos, não pretende casar. Apesar de morar junto com o namorado há um ano, ao contrário da mãe, não chama a relação de casamento. E afirma que casaria no jurídico “só se fosse para facilitar a vida”.
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– Também não planejo ter filhos. Não é porque alguém nasceu com útero que tem a obrigação de ser mãe. Se fosse para ter, adotaria – acrescenta a jovem.
Laís reconhece que não está preparada para assumir tamanha responsabilidade. Já a mãe, afirma que cuida de filhos, são três no total, desde os 20 anos, quando engravidou na época da faculdade.
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– Minha vida gira em torno disso e acho muito bom. Se alguém não quiser ser mãe é uma escolha e devemos respeitar. Mas fico intrigada: como alguém pode não querer passar por isso? – questiona Daniela.
Longe de ser motivo de atrito, mãe e filha garantem que têm uma boa relação, pois já passaram da “fase caótica” e brincam que estão em vias de recuperação.Quando o assunto é aborto, as respostas de mãe e filha também são opostas. Laís defende que é uma decisão da mulher e que deveria ser legalizado para acabar com as milhares de mortes no país. Já Daniela, é totalmente contrária:
– Dentro da minha religião, a partir do momento da fecundação tem uma vida e você não tem direito de tirar essa vida em hipótese alguma.
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Divisão do serviço doméstico ainda fica apenas na “ajudinha”
No discurso está resolvido: homens e mulheres devem dividir as tarefas domésticas. Mas na prática não é tão simples assim. A professora do departamento de História da UFSC Cristina Wolff explica que apesar de avanços significativos das mulheres no mercado de trabalho, ainda há desafios em outros setores, principalmente dentro do espaço doméstico.
– As mulheres saíram para trabalhar, mas ainda é difícil que os homens assumam sua parte nas tarefas domésticas. Essa divisão dos trabalhos faz com que as mulheres fiquem muito sobrecarregadas. O que acontece é que o trabalho é dela, o homem só ajuda. Cada uma dá um jeito na sua vida, mas a gente não pensa coletivamente – avalia a pesquisadora.
Nas tarefas da casa de Mariza Valverde, 59 anos, ela tenta reverter essa lógica.
– Meu marido não é de serviço doméstico, mas ajuda. Ele busca netos na escola, leva no futebol – afirma a professora aposentada de Florianópolis, casada há 35 anos com o primeiro namorado.
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A neta Yasmin, 12 anos, concorda com a avó que os homens devem ajudar nas atividades, mas admite que na casa dela quem se encarrega mais das tarefas é a mãe, com a ajuda dela.
– Funciona mais ou menos. Mas acho que os dois deviam fazer tudo – afirma.
Quando o assunto é pagar as contas e dirigir o carro, a resposta também coincide. Homem e mulher podem desenvolver qualquer atividade. E se depender das gerações mais novas, o discurso estará cada vez mais aliado à prática, inclusive entre as tarefas diárias dentro de casa.
Escolha de profissão livre de rótulos de menino ou menina
Helena Peixoto de Assis, 7, vive em um contexto politizado desde bebê. Em 2001, a mãe Clarissa Peixoto, 32, alternava entre a amamentação e reuniões na União Catarinense dos Estudantes. A participação em manifestações sociais da menina perdura: acompanhada da mãe, ela foi aos protestos contrários ao projeto de Lei 5069/2013, que dificulta o aborto em caso de violência sexual.
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A mãe jornalista orgulha-se de ter insistido na carreira depois da maternidade e, principalmente, de envolver a filha nas discussões de gênero. A postura de Clarissa inspira Helena na projeção do próprio futuro. A baixinha de cabelos crespos quer casar, ter filhos e ser cantora.
– Isso [casar] para mim é bonito. É amor isso para mim. Eu posso viajar com os meus filhos, posso brincar com eles, posso fazer um monte de coisa com eles. Mas primeiro eu vou ficar na minha escola. Aí quando eu estiver bem boa, vou cantar – conta.
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Com o apoio da mãe, a menina também considera a profissão de jogadora de futebol. E, no embalo da progenitora, dispensa rótulos de profissões masculinas ou femininas.
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– É uma opinião muito careta. Eu acho que as mulheres são capazes de fazer todas as coisas que os homens fazem e os homens também – explica Clarissa.– Alguns meninos que ainda são crianças acham que meninas não podem brincar com coisas que parecem ser de menino. O menino pode brincar com a boneca. A menina pode brincar com o carrinho. E é igual à profissão – diz Helena.
Questionada sobre como reagiria a uma situação onde ganharia salário inferior a um homem, a criança ainda defende a igualdade salarial.
– Eu acharia legal para ele. Para mim, eu não ia achar tão legal assim. Não acho tão justo.