Na segunda-feira, a Online Film Critics Society (OFCS), organização mundial de críticos de cinema da qual sou votante, divulgou alista dos filmes indicados à sua premiação deste ano. Os líderes em número de nomeações foram: Carol (foto), novo longa de Todd Haynes (do fabuloso Não Estou Lá);Sicario, de Denis Villeneuve; Spotlight, a principal aposta para o Oscar de melhor filme; e surpreendentemente Mad Max: Estrada da Fúria – a produção de George Miller já conta com uma quantia considerável de amantes na Academia e não é difícil imaginar indicações importantes.

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Dos filmes

No prêmio da OFCS, os indicados a melhor filme foram: Brooklyn, Ex-Machina, Divertida Mente, Mad Max, Perdido em Marte, Carol, O Regresso, Room, Sicario e Spotlight. No Oscar, a suposição é de que Ponte dos Espiões pegue o lugar de Sicario e que Joy tenha força, assim como Steve Jobs. Ex-Machina dificilmente será indicado a algo. Dos que ainda não apareceram no circuito nacional, Brooklyn é um filme simpático e a cara da Academia. Da mesma forma que Era uma Vez em Nova York, a obra-prima do ano passado, ele fala sobre a terra de possibilidades na América, principalmente com o tema de imigração, hoje tão contemporâneo. O Regresso é a grande chance de Leonardo DiCaprio finalmente ganhar um Oscar de melhor ator, enquanto Carol talvez encontre obstáculos na área conservadora da Academia. Já em animação, Anomalisaparece ser o único adversário de Divertida Mente, outra obra-prima. Shaun, o Carneiro é lindo, mas ainda abaixo do filme da Pixar. De qualquer forma, o grande tema das premiações deste ano é contemporaneidade – ciência doméstica, depressão, isolamento, futuro perdido, imigração, tráfico de drogas, abuso sexual por padres católicos… São debates que sairão do cinema para as salas de jantar.

O que falta

Com poucos recursos para campanhas publicitárias, alguns filmes fazem muita falta nas premiações. Inserindo- nos na perspectiva do Easy Money, por exemplo, 99 Homes merecia mais atenção. Ramin Bahrani estende a discussão da ganância levantada por filmes como Wall Street, usando a moralidade, a lei e a humanidade como ganchos para chegar aonde quer: a facilidade de se corromper numa crise. Michael Shannon merecia todos os prêmios por sua atuação. Do mesmo modo, I Smile Back, com Sarah Silverman nos carrega a um mundo de depressão poucas vezes visto. Aproveitando um dos aspectos mais fascinantes da condição depressiva, a possibilidade de dissimular problemas internos com um simples sorriso ou gracejo com familiares e amigos, a personagem da comediante se torna gigantesca com sua quantidade de nuances e sua autodestruição. Um dos filmes do ano.

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Nas próximas colunas

Na semana que vem, falarei sobre outros filmes que ainda não chegaram aos cinemas brasileiros e merecem a espera, um pouco mais sobre Carol, os documentários pré-indicados ao Oscar e, claro, o começo das listas de fim de ano. Até lá.

Estreia

Oração do Amor Selvagem, longa do diretor catarinense Chico Faganello, é uma das estreias da semana. Confira abaixo a minha crítica.

Em 1994, o jornalista e escritor Christopher Hitchens lançou um documentário para TV sobre o tratamento dos doentes, que beirava ao criminoso, feito por Madre Teresa de Calcutá. Anjo do Inferno (numa tradução literal) indicava o quanto a fé acabava influenciando os adoentados a passarem por situações terríveis e sem cuidados médicos apenas porque alguém se autoproclamava um enviado do Espírito Santo. Essa abordagem, de certa forma, foi a mesma escolhida por Cristian Mungiu, em Além das Montanhas, para evidenciar o padre de uma pequena paróquia isolada acreditando que por meio de orações, usando de tortura e amarras para pregar a vontade de deus poderia curar o amor entre duas mulheres.

Oração do Amor Selvagem estreia nas principais salas de cinema do Brasil

Oração do Amor Selvagem move-se pelo mesmo princípio: numa região em que o remédio é Deus, a negligência e a falta de fé de uma comunidade com um forasteiro levam às últimas consequências um personagem muito bem interpretado por Chico Diaz.

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A narrativa do catarinense Chico Faganello é feita de opostos, nessa perspectiva. Se no princípio observamos um vento forte indo de encontro à filha de Thiago, numa primeira mostra de homem versus natureza, o mesmo pode ser visualizado nos extremos entre as comunidades do pastor Kurtz (Ivo Müller) e de Otaviano (Adilson Maghá). Opostos que se estendem para o próprio relacionamento entre a irmã e o pastor, que reprime um amor envergonhado. Ou, quando nos deparamos com o extremo final, a vida e a morte.

Nas lentes de Marx Varmelatti, as ideias se tornam potentes: o peso da comunidade de Otaviano para a leveza pontual na casa da viúva ou a luz forte do dia sobreposta pela escuridão da fazenda são bons exemplos. O diretor de fotografia é extraordinário em cultivar o clima interiorano do filme, entre o paraíso e a precariedade. Uma simplicidade que a delicadeza dos planos consegue mostrar bem, com o trabalho braçal do colono e sua devoção.

O pastor se utiliza dessa fragilidade, levando-a ao extremo e aproveitando para infiltrar a palavra “demônio” na comunidade, em causa própria.

Se no filme de Mungiu o medo de ver uma mulher agonizando e “falando línguas diferentes” servia para a falta de empatia daquelas pessoas, aqui uma personagem chega a dizer: “O bicho obedeceu a garota”. As tentativas do roteiro em sabotar essas camadas complexas no terceiro ato, portanto, deixam um gosto amargo na obra. Principalmente pelo uso de ratos e, claro, o clímax constrangedor, onde o sacrifício de Thiago (personagem de Diaz) é finalmente literal. Ainda assim, Oração do Amor Selvagem nos coloca dentro de uma opressão pontual, num lugar em que as pessoas mais simples podem ser as piores imagináveis.

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