Com editais atrasados, projetos na gaveta e obras inacabadas, a área cultural passa, segundo representantes da classe, por uma das piores gestões em Santa Catarina no âmbito estadual e também na Capital do Estado. Tendo como missão o desafio de promover o desenvolvimento e a integração das atividades turísticas, culturais e esportivas, visando a melhoria da qualidade de vida da população catarinense, a SOL – sigla para a secretaria que reúne na mesma pasta Turismo, Cultura e Esporte, deixou de lançar no ano passado dois editais importantíssimos para o fomento da produção artística: o Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura e o Prêmio Catarinense de Cinema.
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O primeiro foi criado em 2009 e, conforme a lei 15.503, deveria ser conferido anualmente a projetos de diferentes áreas das artes. Até agora foram apenas três edições. Já o segundo deveria ter sido lançado em 2014, foi adiado para 2015 e novamente no ano passado. O balanço continua negativo para outros projetos, como o Prêmio Cruz e Sousa de Literatura e o Salão Vitor Meirelles, de artes visuais, que deixaram de ser realizados. Há obras inacabadas como o Memorial Cruz e Sousa e toda a ala norte do Centro Integrado de Cultura (CIC), que ainda não foi reformada.
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O secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, Filipe Mello, justifica que o edital Elisabete Anderle não foi realizado no ano passado porque o pagamento da edição anterior foi feita em 2015 em razão de 2014 ter sido ano de eleições estaduais.
– Já o Prêmio Catarinense de Cinema, previsto para 2015, sofreu algumas modificações a pedido do próprio setor cultural e será publicado ainda neste mês – adianta Mello, que na tarde de ontem participaria de uma reunião para definir prazos e valores.
Em Florianópolis a situação é ainda mais alarmante, com o Edital de Apoio às Culturas, do Fundo Municipal de Cultura (último foi em 2012), e Prêmio Armando Carreirão, do Fundo Municipal de Cinema (último foi em 2014), ambos anuais, atrasados. Segundo a lei 8.478/2010, a prefeitura deveria destinar o mínimo de 0,7% e o máximo de 1% da previsão de receita anual do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza (ISSQN) para o Fundo Municipal, mas entre 2011 e 2015 não houve depósito – somente parcialmente em 2014, no valor de R$ 450 mil.
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Os editais não foram lançados naquele ano, segundo o secretário municipal de Cultura, Luiz Moukarzel, porque na época o Conselho de Política Cultural foi contra o lançamento sem a integralização restante do Fundo.
– O ano de 2015 foi dramático do ponto de vista financeiro, principalmente no segundo semestre, com contingenciamento de recursos e atraso em muitos pagamentos – justifica.
Diante da corda bamba em que se encontra o setor, representantes de seis áreas – teatro, música, cinema, literatura, dança e artes visuais – foram convidados a trazer ideias para melhorar a cultura em 2016. Moukarzel e Filipe Mello também foram chamados a apresentar as propostas dos governos municipal e estadual, com o objetivo de avaliar se poder público e artistas pensam o mesmo. As perguntas foram:
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1 – Qual a importância da cultura e da arte na vida das pessoas e para a sociedade?
2 – Para a área em que atua, o que acha que é mais urgente e pertinente em termos de política pública? Qual seria sua proposta para o governo/iniciativa privada/ sociedade?
Leitores que quiserem enviar sugestões podem fazê-lo pelo e-mail anexo@diariocatarinense.com.br.
LITERATURA
PINHEIRO NETO Vice-presidente da Academia Catarinense de Letras
1. Importânciada cultura e arte
Acultura e a arte são imprescindíveis para a formação e odesenvolvimento das pessoas e para a estruturação de uma sociedademais justa e mais humana. Sem cultura e sem arte a barbárie seinstala facilmente.
2. Propostas
Para a área em que atuo ou para qualquer outra não existe uma política pública. Nas três esferas – federal, estadual e municipal – o que existe é um “faz de conta”. Distribuem umas migalhas aqui, outras ali, e pronto. Não há programas concretos, sérios, que levem em conta os anseios dos intelectuais e das entidades e associações; não há continuidade, não há reconhecimento. A proposta para os governos, nas três esferas, é que cumpram as leis. Existem inúmeras, basta aplicá-las. A iniciativa privada acaba por limitar-se ao que determinam os governos por meio de seus editais. Não vão além disso. A sociedade fica sem nada, pois os grupos, associações etc, no frigir dos ovos, acabam por tirar do próprio bolso para continuar subsistindo.
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DANÇA
SANDRA MEYER, Professora do departamento de Artes Cênicas da Udesc
1. Importância da cultura e arte
Estapergunta é crucial, e talvez não precisássemos formulá-la ousaberíamos todos da resposta se a arte e a cultura estivessem defato incorporadas na agenda das políticas públicas deste país comoprincípio e direito à cidadania. Não há a possibilidade de umasociedade existir sem parâmetros culturais e artísticos, pois ambossão estratégias de sobrevivência e formas de conhecimentoimprescindíveis.
2. Propostas
Há muito o que construir na esfera pública para a dança, mas vou enfatizar a questão da formação e uma iniciativa cuja demanda há muitos anos vem sendo solicitada pela sociedade: um curso superior. Estamos tentando a implantação do Curso de Licenciatura em Dança da Udesc há muitos anos e esperamos que em 2016 o governo do Estado e a universidade encontrem finalmente um caminho para que ele seja implantado e a dança em Santa Catarina possa profissionalizar-se ainda mais. Além disso, um maior comprometimento e transparência por parte do governo (estadual e municipal) em relação aos recursos destinados à cultura e à arte – que os editais públicos de apoio sejam cumpridos em seus prazos e coerentes com a real demanda de produtores culturais e sociedade.
Quanto à iniciativa privada, seriam muito bem-vindas parcerias entre poder público e empresas, no sentido de apoio de continuidade a projetos de arte e cultura.
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MÚSICA
GERALDO BORGES, músico e integrante do coletivo de bandas O Clube
1. Importância da cultura e arte
Acultura entretêm, informa e forma. Um povo com mais cultura é umpovo mais sensível e mais humano, justamente o que falta no mundo dehoje.
2. Propostas
De todas as urgências que a música necessita o que chama muita atenção é a difusão. Existem produtos e público, o que falta justamente é juntar um com o outro. Governo, principalmente o municipal, pode ser menos burocrata e inerte, buscando ouvir mais a cidade, porque pode tirar dali ações mais baratas e eficazes. Empresas de comunicação: nas rádios e TVs, que são ainda os principais difusores, não ouvimos as cidades nelas – e precisamos uns dos outros. A regionalização é o caminho. Jornais, por favor, continuem e abram mais caminhos. Bandas e artistas precisam ser mais empreendedores: tomem como base mercados independentes e melhorem cada setor do seu trabalho. Casas de shows, procurem melhorar a cada dia a sua estrutura e usar artistas locais. Sociedade é a que menos tem culpa nessa cadeia toda, mas se tem uma coisa que ela pode fazer é ser menos preguiçosa e acompanhar os artistas da cidade.
TEATRO
CASSIO CORREIA Presidente da Federação Catarinense de Teatro (Fecate)
1. Importância da cultura e arte
Pensoque a a arte é tão importante na vida dos seres humanos assim comoa saúde, a educação etc. A arte convida à refletir sobre a vida eposicionamentos sobre ela. Hoje as pessoas não se falam mais, porinúmeros motivos tecnológicos. Tendem a nem saírem mais de suascasas para irem ao teatro, a uma exposição, ao cinema. O mundo estádentro de casa. Penso que a arte ainda luta para que as pessoaspossam ter experiências únicas . A arte acontece naquele momento eé diferente entre quem prestigia um mesmo espetáculo. Acredito naarte porque acredito que as pessoas precisam vivenciar essasexperiências para se sentirem mais vivas.
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2. Propostas
Uma das questões mais urgentes é a reformulação da Lei do Fundo Estadual de Incentivo à Cultura (Funcultural). É uma demanda antiga que a classe vem pleiteando há algum tempo. O formato atual até pode ser interessante para artistas do interior do Estado, a falta de transparência é que é o problema. Muitos projetos aprovados pelo Conselho Estadual de Cultura chegam até a Casa Civil e não são pagos.
O Edital Elisabete Anderle é outro ponto. O ano de 2015 ficou sem edição. Estamos caminhando para um histórico em que não se sabe quando será lançado. O Funcultural e o edital são dois mecanismos de fomento à cultura. Se forem bem executados é possível dar conta da demanda da cultura.
CINEMA
PEDRO MC Diretor de cinema e presidente da Cinemateca Catarinense
1. Importância da cultura e arte
Nãoacredito em utilidade da arte além de um questionamento sobre oinconsciente. Já a cultura como produção artística é fundamentalpara marcar o tempo na sociedade, de viabilizar visões de mundo dosartistas e incorporar no dia a dia uma reflexão sobre a vida, mesmoque isso pareça tão lógico e necessário, ainda é preciso lutar emuito para essa compreensão que vai além do mercado.
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2. Propostas
Acredito que exista no cinema e no audiovisual um meio-termo interessante entre arte e mercado, mas o que a sociedade precisa hoje, a meu ver, é de um mercado cultural que se preocupe com o alcance e a eficiência das políticas públicas. Acredito que é um dever do Estado fomentar por igual tanto a indústria do cinema quanto o mercado cultural em todas as suas expressões. Infelizmente em Santa Catarina estamos em franca decadência política, com atrasos que já quebraram uma cadeia produtiva que começou há 15 anos e é apontada como uma das melhores do país.
Precisamos de gestores culturais que entendam a potência desse setor, como temos visto na gestão do Ministério da Cultura, num salto conceitual tratando diversidade, cidadania e educação como elementos indis- sociáveis da produção artística na sociedade – e não apenas com espetáculos isolados, como está sendo encarado há anos pelo poder público em Santa Catarina e especialmente em Florianópolis.
A iniciativa privada também pode investir no setor, mas é preciso reformular muitas leis e estruturas arcaicas que fazem com que nós, os produtores, mantenhamos um nível de vida mendicante e desesperador, olhando para os Estados vizinhos que encaram essa potência com inteligência.
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ARTES VISUAIS
RAQUEL STOLF Artista visual e professora da Udesc
1. Importância da cultura e arte
Pensoque a arte envolve uma tentativa ou um desejo de fisgar o real,possibilitando talvez estremecê-lo ou ser por ele estremecida. Ouainda, implica a tentativa de micro-mover os gestos, pensamentos eações anestesiados ou automatizados, de relativizar ou lançartremores sobre as certezas e discursos sob o mundo, em suas múltiplasformas de apresentação. A arte possibilita também instaurarplataformas de compartilhamento e reflexão sobre outros modos depensar e agir, assim como a produção de ações que incidem sobre ocotidiano, sejam elas inventivas, críticas e/ou dialógicas.
2. Propostas
Em 2015 participei de um projeto instigante via Sesc, o Arte Sesc Confluências (com continuidade em 2016), o qual foi uma experiência intensa, envolvendo um intercâmbio entre vários agentes da cultura em Santa Catarina. Foi construída uma rede de contatos que vem produzindo interlocuções – e desejo que ela seja fortalecida, ampliada e que se espalhe ainda mais pelo Estado e para fora dele. No campo das artes visuais, com relação às instituições culturais públicas e privadas, é imprescindível o apoio contínuo na profissionalização e formação de equipes especializadas, na manutenção e fortalecimento desses espaços (no apoio a projetos propostos por suas equipes, bem como a abertura de editais de projetos/ocupação, ambos com verba e/ou pró-labore para as atividades), bem como a continuidade do fomento à produção artística e a projetos propostos por espaços culturais (sejam “autogestionados/coletivos” ou institucionais) via editais municipais e estaduais. Enquanto artista e professora na Udesc, darei continuidade a projetos de ensino, pesquisa e extensão, propondo o desenvolvimento de processos artísticos experimentais, indissociados de reflexão e pesquisa, e propondo sobretudo a circulação das investigações artísticas desenvolvidas pelos alunos em outros contextos, espaços e plataformas.
GESTÃO MUNICIPAL
LUIZ MOUKARZEL Secretário de Cultura de Florianópolis
1. Importância da cultura e arte
Aarte e a Cultura são vitais para o equilíbrio da pessoa humana.Muitos dos problemas que vivenciamos no mundo contemporâneo poderiamser minimizados com mais cultura. Antes de haver psicologia,sociologia ou ciência política, as artes já tratavam de questõesque essas disciplinas estudam. A arte tem utilidade, é a mudançaque causa na vida das pessoas. Arte é conhecimento. Arte é um meioúnico de expressão. Amplia a visão de mundo. A atividade artísticaé essencial no equilíbrio de uma mente, mesmo quando clinicamenteinstável. Arte é conhecimento do mundo em que vivemos, éautoconhecimento, é descoberta ou transformação de nossas própriasemoções e ideias, de nossas reações a este mundo. Logo, arte nãorima com modismos e preconceitos, apesar de tantos moderninhos agiremassim.
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2. Propostas
O Governo deve ser o mediador entre sociedade civil e iniciativa privada, apoiando, fomentando e financiando parte da produção e da circulação da arte, dentro do aspecto de democratização e acesso, principalmente aquelas atividades em que não há interesse e/ou investimentos da iniciativa privada e que são vitais para o avanço qualitativo da sociedade. Propostas: ampliação da Política Pública da Cultura com o Diagnóstico do Mapeamento Cultural e as propostas do Plano Municipal de Cultura; implantação de mais dois núcleos da Escola Livre de Música – Estreito e Ingleses; ampliação dos Núcleos de Produção e Desenvolvimento da Renda para os bairros Ribeirão da Ilha, Ratones, Rio Vermelho e Barra da Lagoa; ampliação do Projeto Floripa Território das Artes; circulação das exposições realizadas na Galeria Municipal Pedro Paulo Vichietti; Maratona Fotográfica – ampliação da exposição das fotos premiadas nos bairros; ciclo do Divino Espírito Santo; Floripa Teatro – Festival Isnard Azevedo; realização da Bienal Internacional de Dança; projeto Cinema nos Bairros; implantação de quatro bibliotecas de arte em bairros; implantação dos centros de cultura em parceria com comunidades em novos bairros. Em reunião no dia 15 de dezembro com o prefeito e o Conselho Municipal de Cultura ficou acordado que no início de 2016, após levantamento de dados da Receita do município, a prefeitura garantirá os recursos que serão depositados ao Fundo referente aos anos de 2015 e 2016.
GESTÃO ESTADUAL
FILIPE MELLO Secretário de Turismo, Cultura e Esporte
1. Importância da cultura e arte
Oacesso à cultura é primordial para o crescimento do ser humano.Poder apreciar a arte, seja com música, dança, cinema, artesvisuais e todas as outras formas de criação artística é abrirhorizontes por meio da percepção do ser em relação ao mundo.
2. Propostas
A regulamentação e a implementação do Sistema Estadual de Cultura para aprimorar e assegurar o processo de gestão contínua, democrática e participativa para o desenvolvimento da cultura no Estado. Neste sentido, o projeto de lei da criação do Sistema e Plano estaduais e alteração a Lei do Conselho Estadual de Cultura foi encaminhado à Casa Civil para aprovação do governo e posterior encaminhamento à Assembleia Legislativa. Em relação à iniciativa privada e à sociedade, é importante observar que a cultura beneficia a todos, portanto o financiamento das produções deve ser de responsabilidade dos setores público e privado. Assim começamos a superar a relação de dependência financeira no setor cultural. Incentivar parcerias público-privadas é fundamental para o crescimento.
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