Não é por falta de ofertas que a joinvilense Luciana Kamradt não abandona sua casa na rua General Valgas Neves, no bairro Anita Garibaldi, e a deixa tornar-se mais um terreno para construção de edifícios.

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As dificuldades para manter a residência, com goteiras causadas por problemas na cobertura e o forro prestes a desabar, não têm sido compensadas por nenhum incentivo a não ser o valor sentimental que faz crescer o orgulho no peito quando ela vê parar, em frente ao portão, mais um grupo de turistas fotografando a pequena casa em enxaimel.

Do outro lado da cidade, Janaina Lienstadt tem uma casa restaurada no mesmo período em que o projeto de lei que criava o Inventário do Patrimônio Cultural de Joinville (IPCJ) era aprovado na Câmara de Vereadores pelo então prefeito Carlito Merss, depois de anos de análises em comissões da Câmara de Vereadores e pela Secretaria da Fazenda.

A aprovação ocorreu em dezembro de 2011, com regulamentação da lei complementar 363/2011 (que instituiu o inventário) em 2013, mas Luciana e Janaina ainda enfrentam dificuldades para conservarem seus imóveis que contam a história de Joinville em sua arquitetura.

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Elas, assim como outros proprietários de Joinville, aguardam os benefícios que a lei complementar 366/2011 pode trazer no momento em que for regulamentada. Ela dispõe sobre as deduções e isenções tributárias para imóveis cadastrados no Inventário do Patrimônio Cultural de Joinville, mas continua sem regulamentação.

– A Secretaria da Fazenda propôs uma nova lei, que exclui três benefícios indicados na lei 366 e propõe um novo benefício – afirma o diretor executivo da Fundação Cultural, Guilherme Gassenferth.

– Entendemos que é um momento complicado para conceder benefícios que impactam no orçamento e estamos sensíveis com a situação financeira da Prefeitura, mas também queremos que os proprietários recebam seus benefícios.

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Segundo ele, haverá uma reunião hoje com o secretário da Fazenda, Flávio Alves para negociar a regulamentação da lei 366/2011 ou a criação da nova lei. Na época da criação, em 2011, foi produzido um estudo com a estimativa do impacto no orçamento municipal, que chegava a R$ 2.294.862,70 por ano em 2014, se ela estivesse em vigor.

O que é o inventário

O Inventário do Patrimônio Cultural de Joinville (IPCJ) foi criado para substituir a antiga lei do patrimônio, que havia sido instituída em 1980. Ele atualizou um instrumento de proteção que estava defasado e que chegava a listar 1.114 imóveis cadastrados como unidades de interesse de preservação (UIPs) – quer dizer, não eram patrimônio histórico, mas tinham restrições parecidas e não podiam ser demolidas.

– Um grupo de trabalho já começou a revisar a lista de UIPs e, no primeiro estudo, 146 foram retiradas. Agora, o processo deve ser mais rápido: o consenso virá daqueles imóveis que devem ser preservados, a partir de informações novas que estão sendo mapeadas – informa um dos coordenadores do setor de patrimônio da Fundação Cultural, Bruno Silva.

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Enquanto isso, os patrimônios históricos tombados em níveis municipal, estadual e nacional já foram inventariados, garantindo que estes – que apresentam critérios como valor histórico, arquitetônico e urbanístico – ganhem proteção para permanecerem na paisagem da cidade.

No total, 109 imóveis estão nesta lista e, segundo a Fundação Cultural, mesmo que a lei que dispõe sobre os tributos não esteja em execução, no último ano os proprietários receberam ofícios para serem entregues à Secretaria da Fazenda e ganharem a isenção do IPTU.

Esperança de Janaina por um fio

Quando o pai faleceu e deixou a centenária casa da família na rua Criciúma como herança, Janaina Lienstadt não pensou duas vezes: o imóvel, destruído a ponto de ser interditado, precisava de restauro. Ela passou na seleção do Simdec para captar recursos pela Lei do Mecenato municipal e chegou a desmontar a pequena casa em enxaimel para fazer o restauro entre 2011 e 2012.

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Desde aquela data, Janaina não viu com muita esperança o futuro da preservação do imóvel. Ela tem um processo correndo na Justiça para conseguir a isenção do IPTU de 2012 a 2014 – período em que entrou com o pedido junto à Secretaria da Fazenda, mas não obteve resposta até a chegada da cobrança de três anos de impostos atrasados – e tem visto a casa se deteriorar com o tempo, já que ela precisa de manutenção constante.

– Então que, pelo menos, o dinheiro do IPTU pudesse ser usado para isso – avalia ela, citando o artigo 1º da lei complementar 366/2011, que afirma tornar a isenção dos tributos uma forma de incentivo às obras de restauro e preservação.

O plano inicial de Janaina era morar na casa, mas, cinco anos depois, a mãe de Janaina decidiu vender o imóvel – que está sendo usado como ateliê – e a casa construída nos fundos para mudar para o litoral. Mas a falta de interesse dos compradores preocupa.

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– As pessoas querem apenas a casa dos fundos, ninguém tem interesse em assumir um patrimônio histórico – lamenta ela.

Se conseguisse vender, a negociação teria isenção no ITBI, o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis; e, se fosse transformado em endereço comercial, receberia isenção no Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) e na Taxa de Licença, Localização e Permanência (TLL) – além do IPTU. No entanto, essas facilidades estão pendentes até a regulamentação da lei complementar 366/2011.

Valor inestimável

A casa de Luciana foi construída há 113 anos, pelo avô Rodolfo Kasten e pelo bisavô, Gustavo, e tombada como patrimônio histórico municipal em 2009. Destruí-la seria ilegal, mas, no momento, o imóvel se deteriora pelo tempo e pelos altos valores de restauro.

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– As pessoas não entendem o porquê de eu insistir na restauração, mas, por enquanto, vou continuar lutando – afirma ela, que ainda sonha em ver o lugar como um espaço compartilhado para eventos culturais.

Essa luta já foi atrapalhada pela falta de isenção do IPTU entre 2012 e 2014, obrigação da qual os proprietários de imóveis em enxaimel estavam liberados segundo a antiga lei do patrimônio, e da qual todos os imóveis considerados patrimônio histórico ganhariam liberação ou dedução a partir da nova lei.

Além disso, enquanto corre contra o tempo para evitar a destruição da cobertura da casa, com forro, telhas e madeiramento estragados pela ação do tempo, ela envia projetos para os mecanismos de fomento do Sistema Municipal pelo Desenvolvimento da Cultura (Simdec), sem sucesso.

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O Simdec é a principal ferramenta para garantir os restauros dos patrimônios da cidade: em 2015, foram liberados R$ 355.909 pelo Edital de Apoio à Cultura, além da captação de R$ 764.081 pelo Mecenato municipal. Mesmo assim, ainda é pouco, e depende de uma aprovação do projeto que Fabiana, depois de duas tentativas, ainda não conquistou.

– Enquanto isso, vou fazendo pequenos reparos, à medida do possível – afirma ela.

Pela lei, proprietários de imóveis inventariados não podem alterar as características do patrimônio. É necessário fazer restauro e pedir autorização do setor de patrimônio cultural de Joinville para executar o projeto. A obra é cara, já que precisa de materiais específicos e de profissionais especializados. Os proprietários dependem dos editais para arcar com os custos.

– Estamos sempre incentivando a participação em editais, não só o do Simdec. Em 2015 percebemos um crescimento na procura, o que consideramos muito positivo – afirma a gerente de patrimônio da Fundação Cultural, Anne Elise Soto.

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