Alguns incidentes, esses episódios imprevistos que assinalam o desenrolar de uma história principal subjacente, têm o condão de sinalizar uma mudança maior no rumo dos acontecimentos. O ataque ao World Trade Center, em 2001, trouxe a prevenção ao terrorismo para a ordem do dia em nível mundial. O atentado à estação Atocha virou a eleição da Espanha em 2004, assim como a recente morte do presidenciável Eduardo Campos (PSB) reacendeu o ânimo da disputa no Brasil. No rol dos incidentes que mudaram o curso dos acontecimentos, talvez, exista um lugar para o incêndio a Roma, na época do imperador Nero, episódio que abriu os caminhos para uma completa reforma urbanística da cidade lá pelos idos de 60 d.C. Entretanto, como paira uma controvérsia sobre a autoria do crime e o fato se transformou numa anedota contra o imperador, creio que o exemplo não seja apropriado para o presente caso. Bem, o que quero dizer é que os incidentes apontam o rumo dos fatos principais.
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Nesse contexto, entendo o incêndio ao prédio do Frohsinn como um incidente, uma metáfora que sintetiza as grandes mudanças que estão acontecendo em Blumenau na atualidade. É isso, as cinzas do restaurante simbolizam uma época e, ao mesmo tempo, um novo período. Talvez no futuro, daqui a uns 100 anos, quando os historiadores se debruçarem sobre o nosso passado, se empregue o incêndio como um marco temporal que situa um antes e um depois na Cidade Jardim. Olha, antes era assim. Depois, ficou desse jeito. O Frohsinn é o nosso World Trade Center, a nossa estação Atocha.
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Não há dúvida de que Blumenau está mudando profundamente. Quando dei por mim, em fins da década de 1970, em Santa Catarina se falava de Blumenau, Joinville, Florianópolis e nada mais. Pra ficar num exemplo, hoje Itajaí é um trem bala atropelando a nossa velha Macuca. Nossos vizinhos desenvolveram um maior dinamismo econômico e político, enquanto aqui sofremos uma retração que se traduz numa série de dificuldades que afetam a nossa capacidade de interlocução no plano estadual. Aquela Blumenau imponente dos tempos de glória – a Alemanha sem passaportes – faz parte da história, ficou para trás, assim como o Frohsinn.
A expressão é antiga, mas vamos lá, está na hora de virar o disco, de dar o passo à frente e mudar. Ou mudamos, ou aceitamos o encolhimento. O problema é que, talvez, as instituições de Blumenau não queiram mudar, não percebam a necessidade de mudança, ainda se iludam com os lauréis de uma glória distante, e contra isso é muito difícil lutar. É tentador voltar a Roma e ao que ocorreu após o império de Nero, mas não estou aqui para anedotas. O incêndio ao Frohsinn é uma metáfora, o símbolo de um tempo e de uma Blumenau cujos verbos hoje se conjugam no pretérito.