Enquanto Edegar Schatzmann, joinvilense que foi torturada por ser comunista durante a Ditadura Militar, tentava fazer chegar o jornal A Voz Operária de São Paulo até a porta das fábricas da cidade, escondendo fardos em ônibus de linha pelas rodoviárias entre as duas cidades, um grupo liderado pelo advogado Irineu Ceschin e pelo então estudante Júlio Serpa resolveu começar o treinamento armado.
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O local escolhido foi a ilha do Mel, a maior da baía de São Franciso do Sul, a poucos minutos de barco dos trapiches do Espinheiros e do Morro do Amaral, em Joinville. Eram em torno de 15 pessoas, acampadas com o pretexto de caçar e pescar, mas portando três espingardas calibre 28 e um revólver calibre 38.
Segundo o jornalista Celso Martins, que escreveu o livro Os Quatro Cantos do Sol, sobre a caça aos comunistas em Santa Catarina, principalmente a partir da Operação Barriga-verde, em 1975 e 1976, o grupo joinvilenses permanecia de quatro a seis dias no mato, tentando sobreviver, sem alimentação e com conhecimentos precários que eram obtidos por Irineu em cartilhas e livros sobre guerrilha, resistência e luta armada civil.
Como nem sempre era possível ficar muitos dias na ilha, os camaradas também treinavam tiro e táticas de resistência, evasão e sobrevivência em ambientes extremos no Morro do Amaral e na região onde hoje é o Parque da Caieira – a primeira, de mata atlântica fechada e a segunda, de mangue. Todos acabaram presos e levados para quartéis de Curitiba e de Florianópolis.
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Schatzmann é o único dos presos políticos de Joinville que fala sobre as torturas que sofreu. O assunto incomoda e é tratado com reserva pelos demais sobreviventes da época.
– A primeira é sempre a tortura psicológica. E essa também é impossível de esquecer. Foram anos de muito sofrimento. A pior das democracias, com todos os defeitos do mundo, ainda é melhor do que qualquer ditadura – diz.
Nascido na comunidade conhecida como Canela, em Pirabeiraba, em setembro de 1940, Edgar Schatzmann não se apresenta mais como um militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) – a atuação no partido durou de 58 até meados da década de 80.
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Hoje, um de seus maiores orgulhos é exatamente poder lembrar do período como algo terrível, mas que deixou ensinamentos importantes à sociedade brasileira.
Para se livrar do trauma, atuou durante anos como voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV) de Joinville.
– Isso me ajudou muito. Alguns amigos não resistiram, se entregaram à bebida, ao sofrimento. Sou grato por ter tido a chance de estar aqui, contando essa história – diz, não mais como um personagem, mas como um morador de Joinville que aprendeu a importância da democracia enfrentando a ditadura.
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