Caixas carregadas, carrinhos de mão, caminhões de carga circulando e um calor que supera os 30ºC. É num ambiente assim, em terreno na margem da BR-101, em São José, que crianças e adolescentes, entre 10 e 17 anos, transportam mercadoria de um lado para o outro na Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina (Ceasa).

Continua depois da publicidade

Leia também:

::: Monte Cristo, em Florianópolis: traficantes continuam confronto em região abandonada pelo poder público

::: Notícias da Grande Florianópolis

Continua depois da publicidade

::: Fanpage da Hora de Santa Catarina

A situação foi testemunhada pela reportagem na tarde desta sexta-feira, três dias depois que a empresa ligada ao governo do Estado foi condenada a pagar R$ 450 mil por permitir a exploração do trabalho infantil dentro de suas dependências, onde funcionam 130 boxes de distribuição e recebem diariamente mais de 200 agricultores e 3 mil veículos.

A sentença, que partiu do juiz da Justiça do Trabalho Hélio Bastida Lopes após ação movida pelo Ministério Público do Trabalho, determina multa à Ceasa e ao Estado no valor de R$ 200 mil para indenização por danos morais coletivos a serem depositados no Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Ainda, a Ceasa deve pagar R$ 250 mil por descumprimento de decisão anterior que previa a adoção de medidas para coibir a prática, que devem ser destinados ao Fundo para a Infância e Adolescência de Santa Catarina.

Continua depois da publicidade

SC lidera ranking negativo

Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (PNAD) apontam que Santa Catarina é o quarto estado na exploração do trabalho infantil. No ano de 2012 foram constatadas cerca de 144.517 crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos inseridas no mercado de trabalho catarinense.

A ação civil pública foi proposta em 12 de junho de 2013, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, e uma liminar foi concedida no mesmo mês. Durante diligências do Conselho Tutelar de São José, mais de 30 crianças e adolescentes foram flagradas movimentando cargas com peso superior a 20 quilos e dormindo no chão entre as caixas. Situação não muito diferente do que foi registrado pela reportagem da Hora de Santa Catarina na tarde desta sexta-feira.

Tanto o Estado quanto a Ceasa irão recorrer da decisão.

“Uma vez ou outra eles ajudam”, disse presidente da Ceasa

Para o presidente da Ceasa, Geraldo Pauli, é proibida a contratação de menores de 16 anos nos 130 boxes que compõem o complexo de distribuição de alimentos. Ele afirmou que vai recorrer da decisão e disse se tratar de uma situação esporádica, que ocorre durante o período de férias escolares, quando os pais agricultores levam seus filhos para acompanharem o serviço.

Continua depois da publicidade

– Estando aqui, uma vez ou outra, eles ajudam. É uma questão cultural, de pai pra filho, que não temos como proibir. O que eles querem? Que os pais deixem seus filhos em casa, com o perigo de cair nas drogas? – disse.

Geraldo afirma trabalhar a conscientização dos trabalhadores diretos e indiretos da Ceasa.

– Há mais de um ano tem uma placa na entrada proibindo a entrada de menores sem o acompanhamento do responsável. A gente tem feito este trabalho de orientação – disse.

Foto: Marco Favero / Agência RBS

A reportagem questionou dois agricultores, de Biguaçu e de Antônio Carlos, que estavam com adolescentes de 14 anos na Ceasa nesta sexta-feira. Ambos disseram que preferem levá-los para que aprendam uma atividade e não fiquem com tempo livre em casa. Os dois responsáveis afirmaram que só levam os jovens durante o período de férias. Eles não foram identificados na matéria por respeito ao Estatuto da Criança e ao Adolescente (ECA).

Continua depois da publicidade

“O trabalho não é a terceira via”, diz procurador

O procurador do Trabalho, Sandro Eduardo Sardá, autor da ação que culminou na multa ao Ceasa e ao governo do Estado, ficou surpreso ao ser informado sobre o ambiente testemunhado pela reportagem nesta sexta-feira.

– Eles continuam a descumprir a ordem judicial, portanto. Eles devem pagar R$ 250 mil por dia por isso. O Estado vem descumprindo não só a determinação da Justiça, mas a Constituição. É um descaso – afirmou.

Perguntado sobre a questão cultural, em que os próprios pais incentivam os filhos a acompanharem no trabalho, Sardá é taxativo:

Continua depois da publicidade

– A população deste Estado tem que parar de achar que o trabalho é a terceira via para a criança, além de brincar e estudar. Estes jovens vão trabalhar o resto da vida e, durante a infância, devem buscar atividades lúdicas, criativas e que contribuam para seu desenvolvimento. Carregar uma caixa vai afetar a coluna para o resto da vida. Fora os riscos que eles correm no trânsito ou no próprio pátio, onde o fluxo de carros é intenso – disse.

O procurador concordou em parte com a sentença e disse que vai recorrer. Ele acredita que o presidente do Ceasa, Geraldo Pauli, e o governador do Estado, Raimundo Colombo, devem ser responsabilizados diretamente pela situação.

O que diz o governo do Estado

Segundo o procurador-geral do Estado, João dos Passos, o Estado já foi notificado da sentença e está analisando a decisão judicial e, oportunamente, irá recorrer com os recursos cabíveis ao caso.

Continua depois da publicidade

A Decisão do Tribunal do Trabalho

– A sentença foi dada em 18 de dezembro de 2014 e as partes foram notificadas em 13 de janeiro deste ano.

– A Ceasa deve editar regulamento interno coibindo a prática entre os boxistas, promover vistorias diárias impedindo o ingresso e a participação de jovens no trabalho e, no caso de constatar qualquer violação dos direitos da criança e adolescente no interior das dependências, deve encaminhar o caso para o Conselho Tutelar de São José.

– Está permitido no local somente trabalhadores acima de 18 anos no horário noturno e a partir de 16 anos durante o dia.

Continua depois da publicidade

– A multa é de R$ 200 mil de indenização por danos morais coletivos e R$ 250 mil por descumprimento da liminar, emitida em junho de 2013.

– Na sentença, o juiz Hélio Bastida Lopes avaliou que “é inconcebível que em pleno século XXI, num país democrático de direito, ainda persista a exploração do trabalho infantil como forma de privilegiar o capital em detrimento da educação e do desenvolvimento equilibrado e sadio das crianças, as quais representam o futuro de nossa nação”.