Galático

Prosas apátridas (Rocco, 160 páginas, R$ 34,50) é um dos lançamentos mais importantes do ano. Com posfácio de Paulo Roberto Pires (editor da Serrote) e tradução de Gustavo Pacheco, a edição faz justiça a um dos grandes contistas de língua espanhola (um dos prediletos do Vargas Llosa): o peruano Julio Ramón Ribeiro. É um livro desmontável, composto por 200 fragmentos independentes, pequenos contos que beiram o ensaio em alguns momentos ou mesmo o retrato de uma geração, como o fragmento 73:

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As turistas norte-americanas do ônibus: velhas e enrugadas. Mas enrugadas de uma maneira diferente das mulheres enrugadas de outras latitudes. Enrugaram-se no conforto e na bonança. Os sulcos de suas caras eram o fruto de gestos prazerosos, alegres e fartos, repetidos até o infinito, até terem imprimido nelas a máscara de uma velhice sem grandeza, a velhice da satisfação.

Como o autor esclarece na introdução, são prosas apátridas não porque ele se considera um escritor sem pátria – mas sim porque enfeixa textos que não encontravam lugar em outros livros, justamente por não pertencer a nenhum gênero e não se encaixar em nenhum território literário próprio. Uma galáxia chamada Julio Ramón Ribeiro.

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Paz e guerra

Outra maravilha que acaba de chegar às livrarias: 1913 – Antes da tempestade (Estação Liberdade, 338 páginas, R$ 52), de Florian Illies. Neste original relato, o historiador e jornalista alemão nos transporta para o início do século passado, para descrever o que pensavam e faziam algumas figuras centrais da cultura e da política, no ano que antecedeu uma das guerras mais sanguinárias da história. Proust na captura do tempo, Freud desnuda almas em seu divã, Stravinski celebra a primavera, Kafka, Joyce e Musil tomam um café em Trieste, no mesmo dia… Hitler e Stálin passeiam tranquilamente…Com um estilo elegante e um fino senso de humor, Illies levanta um fascinante catálogo de histórias (muitas delas, divertidíssimas) sobre um período mágico da Europa, antes de se precipitar para um abismo de duas guerras.

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Arte, dinheiro: veredas

A recém-lançada coletânea 41 inícios falsos (Companhia das Letras, 384 páginas, R$ 54,50), da jornalista norte-americana Janet Malcolm, reúne ensaios publicados ao longo de várias décadas, sobretudo na New Yorker, berço do jornalismo literário, e na New York Review of Books, bíblia da intelectualidade nova-iorquina. São textos que refletem o interesse da autora por pintores, fotógrafos, escritores, críticos, e pelas particularidades do ofício criativo. No primeiro ensaio do livro, sobre o artista visual David Salle, o dilema sobre o dinheiro na arte já dá o tom, imparcial, com que ela trata cada detalhe:

Qual é a diferença entre comprar coisas e meio que comprá-las? `Meio que comprar¿ é um comprar com a consciência pesada, comprar com o fantasma da Escola de Frankfurt olhando severamente por cima de seu ombro e batendo na testa enquanto vê o dinheiro sair de sua mão? Esse fantasma, ou algum parente dele, assombrou todos os artistas que, como Salle, ganharam muito dinheiro na década de 1980, quando ainda estavam na casa dos vinte anos ou mal tinham entrado na dos trinta. Na percepção comum, há algo de indecoroso no fato de jovens ficarem ricos. Supõe-se que ficar rico seja a recompensa pelo trabalho duro, de preferência quando já se está velho demais para aproveitar. E o espetáculo de jovens milionários cuja fortuna não advém de negócios ou do crime, mas da arte de vanguarda, é particularmente ofensivo. Supõe-se que a vanguarda seja a consciência da cultura, não seu id.

Um dos pontos altos do livro é seu brilhante ensaio sobre Salinger, que usa a crítica literária como escudo reverso. Um livro que a todo instante me lembrava da pobreza ensaística brasileira, e do quanto rumamos para um caminho sem volta.

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