Venho pensando ultimamente na possibilidade de voltar a morar numa cidade minúscula, como a que nasci. Ou me isolar (com minha esposa, filhos e uma boa internet, claro) em algum sítio ou floresta, como fez o norte-americano Henry David Thoreau (1817-1862), que ficou dois anos, dois meses e dois dias isolado às margens do lago Walden. A experiência do isolamento e do contato estreito com a natureza está em Walden (o livro foi uma referência para dois movimentos da contracultura), publicado em 1854. Misto de ensaios, crônicas e manual de filosofia prática, é sobretudo uma ode à vida em meio à natureza. Sou apaixonado pelo capítulo Sons, de onde retirei o trecho a seguir: “O que é o curso da história, a filosofia, ou a poesia, por mais selecionada que seja, ou a melhor sociedade, ou a mais admirável rotina de vida, em comparação com a disciplina de olhar incessantemente o que existe para ser visto?”.
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A imagem acima, do fotógrafo Xady Schroeder, é um clique de 5 de dezembro de 1998, na casa de Lindolf Bell, no dia em que o poeta foi para o hospital (faleceu cinco dias depois). Provavelmente esses tons de verde e as telhas tenham recebido um último olhar complacente. “Todas as coisas que me rodeiam são raízes. Não podemos jogar fora as raízes – elas nos preservam e elas se preservam conosco, na memória ou dentro da terra, seja onde for, mas elas também nos projetam porque, à medida que elas se preservam na terra, elas crescem e fazem a gente crescer, como uma árvore. O homem é uma árvore que abriga amores, lembranças, outros seres, uma árvore que dá sombra e luz, e é para isso que a gente nasceu, fundamentalmente.” (Trecho extraído de uma entrevista do livro Lindolf Bell: Estudo Biobibliográfico: Antologia, de 1990). Xady, que conviveu com o poeta, prepara uma exposição com as dezenas de fotos que tirou naquele mágico e trágico início de dezembro.
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Diário de um leitor
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A Formiga-leão e Outros Animais na Guerra do Paraguai, de Sérgio Medeiros: poeta e professor titular da UFSC, Sérgio faz um brilhante ensaio em torno do bestiário do Visconde de Taunay, que lutou na Guerra do Paraguai e observou os animais que viviam na fronteira do Brasil com o Paraguai, no século 19. Estão lá a feroz formiga- leão, a ardil sucuri, mas também a fauna lagunense: o biguá e o bagre (Taunay foi presidente e senador da Província de Santa Catarina).
Írisz: As Orquídeas, de Noemi Jaffe: o território da saudade e da memória é esmiuçado com maestria na estreia de Jaffe no romance. A jovem botânica húngara Írisz foge de Budapeste em 1956 (depois da traumática tentativa de revolução de seu país contra a União Soviética) para São Paulo, onde encanta o diretor do Jardim Botânico, Martim, um comunista desiludido. Quando Írisz desaparece, resta a Martim preencher as lacunas de sua vida com os relatórios deixados por ela, recheados de particularidades da língua húngara, memórias pessoais e observações minimalistas sobre flores.
Poemas, de Pier Paolo Pasolini: embora tenha sua obra como cineasta, prosador e ativista político difundida no Brasil, somente agora sua poesia ganha o devido espaço. Em edição bilíngue, seus poemas (a maioria em tom prosaico) não escondem no tom confessional as preocupações sociais, sempre com uma sensível musicalidade e domínio do ritmo. A mistura de política e sensualidade rende momentos geniais nesta edição. O autor morreu há 40 anos, assassinado por uma garoto de programa na bela praia de Ostia, em meio à natureza e sem trair sua própria natureza, suas raízes.