Com a Argentina de um lado e o Oceano Atlântico de outro; longas faixas de praias, vales e montanhas; e sua excelente posição geográfica, o Estado de Santa Catarina é uma referência no turismo: centenas de milhares de turistas argentinos, paraguaios, chilenos e uruguaios nos visitam todos os anos. E agora, graças ao empenho do escritor Joca Reiners Terron e da editora Rocco, recebemos não apenas esses habitantes da língua espanhola, mas também um recorte de sua produção literária. A coleção Otra Língua estreou em 2013 e já lançou livros de autores da Argentina, Equador, Uruguai, Bolívia, Chile, México, Honduras e Guatemala. Os três primeiros são verdadeiros petardos: o contundente Asco, de Horacio Castellanos Moya, seguido pelo divertido Deixa Comigo, de Mario Levrero e o delirante Como me Tornei Freira, de César Aira. O escritor e professor da UFSC Joca Wolff já traduziu dois títulos para a coleção: o vivaz retrato da juventude buenairense Os Lemmings e Outros, de Fabián Casas, e Um Homem Morto a Pontapés, de Pablo Palacio, um marco da vanguarda literária hispano-americana. Numa de suas últimas entrevistas, perguntaram ao escritor Roberto Bolaño (1953-2003): “Você é chileno, espanhol ou mexicano?”. “Sou latino-americano”, respondeu. Essa coleção é um marco, pois enfim é possível conhecer e estudar autores que refletem o caos político, social, geográfico e humano desses territórios explorados e desorganizados em que vivemos.

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Carlos Henrique Schroeder relaciona o poder do isolamento e da criação de raízes com a literatura

É a possibilidade de fugir da mais evidente colonização: a cultural. Os franceses dominaram a imprensa cultural e o mercado editorial nos séculos 18 e 19, os ingleses no século 20 e os norte-americanos dominam neste 21 (ando cansado da lenga-lenga classe-média-sofre dos autores ianques). Assim era e assim continua a construção e a referendação de espaços canônicos: o mercado decidindo (a academia perdeu muita força nos últimos anos) o que é preciso ser lido e discutido. É preciso, como fez Bolaño, olhar para a própria carne e perceber ali as feridas.

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Diário de um leitor

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Tabacaria, de Viegas Fernandes da Costa: o quarto livro do blumenauense reúne pequenas narrativas numa linguagem poética (o livro é inspirado no poema Tabacaria, de Fernando Pessoa) e concisa, em torno do tempo e da memória. Gostei sobretudo do Breve Romance de Ornitorrinco, que encerra o livro e conta a trajetória deste conselheiro do autor, um ornitorrinco nascido numa biblioteca.

Trilha, de Leonardo Fróes: expoente da tradução de poesia e prosa em inglês e francês no país, Fróes é também uma voz rara na poesia brasileira. Essa antologia cobre cinco décadas de carreira do poeta, num claro embate do espírito urbano diante da natureza: “uma árvore na qual entrei certa vez/ para me recarregar de energia/ depois de uma estrondosa derrota”.

O Pai Morto, de Donald Barthelme: um dos escritores norte-americanos mais inventivos (e também fã ardoroso do Machado de Assis), Barthelme constrói um mosaico surreal e se aventura por diferentes estilos e assuntos para tratar de um defunto inconformado com sua condição. Um livro para rir e chorar.