A difícil tarefa de fazer e viver de literatura em Santa Catarina ocupa diariamente as angústias de quem espera alguma coisa do nosso pequeno mercado editorial. O lado mais fraco é sempre o do autor, pois se não bastasse a escassez de editoras, livrarias e de eventos, o que falta mesmo são leitores. Inclusive, a editora em que trabalho fez uma pesquisa recentemente em diversas livrarias do Estado e percebeu que há uma discriminação com os autores locais: quando um leitor percebe que o autor é catarinense, larga o livro na hora.
Continua depois da publicidade
Leia a coluna anterior de Carlos Henrique Schroeder
E assim autores importantes, que refletem ou refletiram nosso Estado, vão sumindo das prateleiras, ou são simplesmente esquecidos nos lugares menos acessíveis das livrarias. Quando Adolfo Boos Júnior morreu no ano passado, uma tristeza irremediável se apoderou de mim ao perceber que a qualidade dele não foi reconhecida em vida e com muito custo será postumamente. Um escritor morre muitas vezes.
A identidade Karam
Louvado por escritores como Marcelino Freire, Marçal Aquino, Joca Reiners Terron e Daniel Pellizari, o catarinense Manoel Carlos Karam (1947-2007) tem uma casa de leitura e um prêmio com seu nome no Paraná e livros nas principais livrarias do país, mas é um ilustre desconhecido aqui. Nasci a poucos quilômetros da cidade onde o autor nasceu (ele em Rio do Sul, eu em Trombudo Central) e passei a acompanhar sua obra quando venceu o Prêmio Cruz e Sousa, lá pela metade da década de 90, com seu genial Cebola. Foi Karam quem me ensinou a palavra “possibilidade”. Sim, a possibilidade de convulsionar uma narrativa, a possibilidade de rir do leitor, de si mesmo, de tudo, e também um segredo: a literatura não tem margens, é um campo vasto e uma solidão compartilhada. Seus livros são engraçados, irônicos, originais, mas sobretudo vivos. Um brinde à invenção, um exemplo de literatura com um claro comprometimento: a criação. Karam esteve à frente de toda uma geração e ele, sozinho, foi um movimento literário, um submarino que só agora está emergindo.
Continua depois da publicidade
Leia outras notícias de literatura
O fator Tezza
Na noite desta quarta-feira, a partir das 19h, farei a mediação do debate com o escritor Cristovão Tezza na Feira do Livro de Balneário Camboriú. Tezza é mais um caso da ingratidão catarinense: foi preciso O Filho Eterno levar os seis principais prêmios do país (Portugal Telecom, Bravo! Prime, Associação Paulista dos Críticos de Arte, Jabuti, São Paulo de Literatura e Zaffari & Bourbon) para que sua obra (já extensa quando do lançamento do seu maior sucesso de crítica e público) tivesse a devida atenção. Não bastasse o descaso dos pares e dos leitores, o Governo do Estado ainda recolheu 130 mil exemplares do livro Aventuras Provisórias, de autoria dele, por considerar inadequado para as escolas, em 2009, na grande polêmica literária catarinense das últimas décadas.
Diário de um leitor
Curral, de Rubens da Cunha: o escritor joinvilense reúne 29 poemas em que a linguagem investiga o corpo, mas também as passagens e paragens daquilo que ousam chamar de tempo. Desde Campo Avesso, publicado há 15 anos, Rubens vem construindo um dos caminhos mais interessantes da poesia produzida no Estado.
Só Faltou o Título, de Reginaldo Pujol Filho: o jovem autor gaúcho escreveu um dos romances mais cruéis sobre o mercado literário brasileiro. O protagonista é um revisor de textos megalomaníaco que se sente injustiçado por não ter seu talento literário reconhecido e sai como uma metralhadora giratória, atirando contra todos (nem a própria editora que publicou o livro escapou).
As Pequenas Virtudes, de Natália Ginzburg: é o grande lançamento do ano, sem dúvidas. A prosa límpida da italiana recorre à memória para ensaiar sobre a passagem do tempo, a política e também a educação: “No que diz respeito à educação dos filhos, penso que se deva ensinar a eles não as pequenas virtudes, mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença ao dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desdém pelo perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor à verdade; não a diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de sucesso, mas o desejo de ser e de saber.”
Continua depois da publicidade