Uma notícia terrível assombrou o mercado editorial brasileiro na última segunda-feira: a editora Cosac Naify fechará suas portas. A única grande editora em que ainda é possível confiar no selo e comprar um livro de ficção de olhos fechados encerra uma era. Projetos gráficos maravilhosos e autores contemporâneos como Enrique Vila- Matas, Alan Pauls, Ingo Schulze, Verônica Stigger, Alejandro Zambra e Valter Hugo Mãe têm grande parte de seus livros lançados por ela no Brasil e certamente serão absorvidos por outras editoras, menos preocupadas com projetos literários e mais com números.

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Editores lamentam o fechamento da Cosac Naify nas redes sociais

Um capista

A Cosac também lançou os únicos dois livros de Ettore Michele di San Fili Bottini, ou Ettore Bottini, como era conhecido. Nascido em Blumenau no ano de 1948, fez uma brilhante carreira como artista gráfico e capista, primeiro na lendária editora Brasiliense e depois ajudou a Companhia das Letras a se tornar uma referência em design no final dos 80 e início dos anos 90 (inclusive as clássicas e minimalistas capas de Um Copo de Cólera e Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, são dele). Trabalhou também para muitas outras editoras, como freelancer, e nos anos 2000 conciliou a vida entre capas com a de bancário. Ettore faleceu 45 dias antes da publicação de seu segundo livro, o estupendo Uns Contos, em decorrência de complicações numa cirurgia de ponte de safena, em 20 de dezembro de 2013.

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Um contista

O primeiro livro publicado de Bottini foi Mãe da Rua, de 2007, uma estreia discreta para uma prosa memorialística que narra o cotidiano de um grupo de garotos de 12 anos e a experiência de crescer brincando nas ruas: estilingue, pipa, revólver de feijão, carrinho de rolimã, pipa e peão dividem as páginas com toda a magia que antecede a vida adulta.

Mas certamente seu grande legado é Uns Contos, coletânea lançada em fevereiro do ano passado, onde novamente a memória (grande dama da literatura) tece as narrativas. Com uma economia ímpar, Bottini cria pequenos universos que se implodem a cada página, ou como reflete seu alter ego numa das breves narrativas: “os contos não necessitavam de outra justificativa além de sua própria existência…”. Os meus prediletos são Grama Leve, narrado por um jóquei, e Mundo Natural, onde a morte e a paternidade caminham de mãos dadas. Um livro onde cada palavra está em seu devido lugar, fruto de um verdadeiro artesão da palavra.

Diário de um leitor

Boa Noite ao Tempo, de Méroli Habitzreuter: nascida e residente em Guabiruba (SC), a jovem escritora constrói um universo entre a prosa e a poesia, um tango intermitente, e com um apetite incomum atravessa cada página dentro de sua própria radicalidade. Tudo neste livro de contos (os espaços e os jogos de linguagem) é pensado para provocar o leitor, para “ansiar a vida toda e morrer de boca seca”.

O Ano em que Vivi de Literatura, de Paulo Scott: o escritor gaúcho radicado no Rio de Janeiro faz um cruel e engraçado retrato do mercado editorial brasileiro ao contar a história de Graciliano, que ganha o mais importante prêmio literário do país e vê as portas da hipocrisia e da política literária se abrirem. É a mais sincera e possível sátira deste país que vive de aparências, inclusive na literatura.

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A Rainha da Neve, de Michael Cunningham: a grande decepção do ano. O autor do premiado As Horas e do razoável Ao Anoitecer está muito longe da potência dos seus primeiros livros (especialmente Uma Casa no Fim do Mundo e Laços de Sangue). Centrado nas desventuras dos irmãos Barrett e Tyler e sua casa pouco luminosa num bairro decadente de Nova York, o livro tem vários momentos de vergonhosa pieguice. Não consegui terminar a leitura.