O jovem advogado joinvilense Albano Francisco Schmidt conquistou o grau de mestre em Direito pela PUC do Paraná. Defendeu dissertação sobre a abrangência e impactos do Programa Bolsa-família em Joinville. De tradicionalíssima família de empresários e ícones da formação econômica da cidade, ele explica porque esse programa social melhora a qualidade de vida e reduz a pobreza extrema. Argumenta ainda que o programa social é gerador de negócios via figura do microempreendedor individual, o MEI.
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Informação apurada junto ao Ministério do Desenvolvimento Social revela um dado interessante. Joinville aparece na 435ª colocação entre os mais de 5,5 mil municípios brasileiros quando o critério é o número de pessoas cadastradas no Programa Bolsa-família: 6,3 mil, atualmente. Eram 6,7 mil no ano passado, momento do levantamento feito por Albano para sua dissertação. Para comparar: os 562 mil habitantes atuais colocam a cidade na 36ª posição entre os municípios mais populosos do País.
A apuração e interpretação de números oficiais de diferentes fontes, o contato direto com famílias beneficiárias, somado a um qualificado estudo sociológico com viés voltado à economia, resultaram em trabalho acadêmico de 200 páginas sobre quem são, em Joinville, os beneficiários do programa social mais conhecido no País. No longo e bem fundamentado texto, o advogado defende o Bolsa-família como instrumento indispensável à diminuição das desigualdades.
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O trabalho acadêmico será apresentado na OAB Joinville no dia 23 de junho. Albano Francisco é filho do empresário Albano Schmidt, presidente da Termotécnica, empresa líder nacional em seu setor. A seguir, confira os principais trechos de entrevista exclusiva feita no seu escritório.
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A Notícia – Por que se interessou pelo tema Bolsa-Família?
Albano Francisco Schmidt -Comecei meu programa de mestrado em 2013 com a intenção de falar sobre a crise econômica de 2008-2009 e seus impactos sociais. Queria estudar a crise brasileira, fato que me incomoda em razão das perdas de empregos. Em 2014, notei que as pessoas, em geral, e a mídia, em particular, “batiam” no Bolsa-família. Falavam sempre com um viés negativo. Foi quando decidi fazer o recorte e analisar o assunto mais de perto.
AN – Qual modelo adotou para conhecer a situação em Joinville?
Albano – Precisava estabelecer parâmetros e encontrar uma forma de criticar (no sentido de analisar) a situação. Fui a campo e fiz entrevistas com 25 beneficiários do Bolsa-família. Agendei conversas, que duravam de 20 a 30 minutos cada uma. As perguntas eram indiretas, sutis, para não constranger. As pessoas contaram sobre o trabalho atual, suas histórias de vida. Um dado interessante colhido: só uma dessas pessoas disse que não queria trabalhar. Isso desmistifica raciocínios contrários ao programa. O programa paga R$ 77 por mês a cada beneficiário.
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AN – Qual é o perfil médio desses beneficiários?
Albano – Na média, o beneficiário do programa, em Joinville, tem 41 anos de idade, é predominantemente mulher (23 dos 25 ouvidos) e não tem qualificação profissional. A maioria não cursou sequer até a quarta série do ensino fundamental.
AN – Do ponto de vista psicológico, como se comportam?
Albano – Sob o ângulo emocional e psicológico, há desilusão: as pessoas não acreditam que vão conseguir trabalhar na formalidade. Essa percepção cria um círculo vicioso.
AN – A pobreza é inevitável entre os que recebem o benefício?
Albano – O Bolsa-família quebra um ciclo inter-geracional de pobreza. Quero dizer com isso que os pobres tendem a continuar pobres sem o programa. O programa é uma chance, uma oportunidade. A média do valor do benefício era de R$ 162, em julho de 2015, quando fiz o levantamento. Isso custava aproximadamente R$ 1 milhão, por mês, ao governo, para atender aos joinvilenses enquadrados. Em 2014, o valor não chegava a R$ 200 mil por mês.
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AN – Além da pobreza, que fatores sociais estão ligados a esse fato?
Albano – O ponto mais frágil de toda a cadeia social envolvendo o programa são as mulheres. Elas têm filhos muito precocemente. Como não conseguem colocar as crianças na creche até os 3 anos de idade, não conseguem evoluir social e nem financeiramente. O problema é que não há vaga nas creches. Ou elas ficam muito distante de casa, em outro bairro. E ainda engravidam novamente. Metade das entrevistadas tem quatro filhos. Ou mais.
AN – São migrantes, na maioria?
Albano – Não! Ao contrário. São de Joinville. Claro que a pesquisa é qualitativa e o universo de entrevistados é pequeno – de 25 pessoas. São uma amostra. Há, atualmente, em Joinville, 6,3 mil beneficiários do Bolsa-família.
AN – E quanto à renda familiar?
Albano – A faixa de renda dos beneficiários é de meio salário mínimo per capita. Doze dos 25 entrevistados estão enquadrados aí. Em geral, essas pessoas faziam bico em obras da construção civil e como diarista. Em média, há cinco moradores em cada residência. Houve um caso em que 11 pessoas se abrigavam sob o mesmo teto e formavam um único núcleo familiar. O que mais impressiona é uma outra leitura dos números.
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AN – Como assim?
Albano – As 6,3 mil pessoas enquadradas no programa social atualmente – no ano passado eram 6,7 mil – e considerando-se quatro pessoas dependentes da beneficiária, isso revela um outro número: em Joinville, há 26 mil pessoas que vivem direta ou indiretamente do Bolsa-família. No ano passado, eram aproximadamente 28 mil. Outra conta: como Joinville tem 562 mil moradores, os favorecidos, então, representam 4,5% da população.
AN – Em algum momento as pessoas vão saindo do programa…
Albano – O corte do benefício se dá quando a renda for superior a meio salário mínimo. Isso explica a informalidade. Os beneficiários sentem temor constante de serem excluídos. O Ipea mostra que, em todo o País, 78,8% (oito de cada dez) estão na informalidade.
AN – Essa situação distorce a verdadeira renda das famílias, já que na informalidade tudo é uma possibilidade de ganho.
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Albano – É, não se terá o controle da renda real. Há que lembrar os problemas sociais que surgem. Essas pessoas não contribuem para o INSS. Portanto, não se aposentam nunca, e tendem a receber o Bolsa-família por anos e anos. Talvez para sempre. O Bolsa nasceu em 2004 e está no seu décimo segundo ano. Um quinto do total dos beneficiários já está há dez anos nessa situação.
AN – Os favorecidos identificam quem os ajuda? Têm noção de siglas partidárias?
Albano – Quando fiz as entrevistas, elas não sabiam responder quem era o presidente da República. Isso não faz diferença para eles. A inspiração política deles é o vereador do bairro. No documento de identidade, no RG, não constava o CPF. Quer dizer, estavam fora de qualquer possibilidade de se relacionar a elementares signos de cidadania.
AN – Então, o Bolsa-família é importante socialmente?
Albano – O Programa Bolsa-família é indispensável. Ele se tornou essencial porque é a única fonte de renda para muita gente. O modelo é interessante. A transferência de renda é condicionada à prestação de contas. Há acompanhamento médico das famílias. As crianças e adolescentes, com até 15 anos, têm de comprovar 85% de frequência nas escolas. O programa mantém as crianças nas escolas. Este é o mérito maior.
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AN – Difícil checar isso, não é?
Albano – 92% dos beneficiários são checados. Significa termos certeza de que 90% das crianças estão nas aulas. Esse é um ganho social enorme. A escolaridade é maior do que a dos país. Se essas crianças atingirem a nona série do ensino fundamental, se tornam empregáveis.
AN – Qual é a sua visão sobre o trabalho da Prefeitura de Joinville em relação ao programa?
Albano – Joinville é proativa. Toma providências rapidamente. A atuação é séria.
AN – De um modo geral, a elite econômica rejeita o Bolsa-família. Principalmente aqui no Sul, consideram-o de maneira pejorativa. Os beneficiários seriam um grupo de desocupados.
Albano – Sim. No meu meio (Albano vem de família tradicional, e carrega um sobrenome importante na formação da riqueza da cidade), a análise mais comum é a de que o beneficiário é um “encostado”. As pessoas discriminam os favorecidos pelo programa.
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AN – O empreendedorismo é porta de saída possível para o pessoal do Bolsa?
Albano – O Sebrae ministra cursos para empreendedores, em especial para os microempreendedores individuais, os MEIs. No Brasil, em 2015, um em cada 14 (ou 7,3% ) dos MEIs eram formados por quem recebia dinheiro do Bolsa. O empresariado não compreende a importância do programa e o governo se posiciona mal ao se vangloriar do número de cadastrados. Mais adequador seria demonstrar como ajuda a desenvolver pessoas e a gerar empreendimentos.
AN – Esses fatores explicam sua defesa do modelo de redistribuição de renda.
Albano – O programa é necessário, mas deveria ser algo temporário. Não é. De 2004 até 2014, no Brasil, dos 14 milhões atendidos pelo Bolsa, só 12%, ou 1,7 milhão de pessoas, se desligaram. As pessoas precisam ser ajudadas enquanto precisam. Os R$ 77 são o começo. Penso que este valor tem de ser aumentado.
AN – O Bolsa-família promove desconcentração de renda?
Albano – A desigualdade social e a pobreza vêm diminuindo. O índice de Gini (que vai de zero a um, e quanto maior, maior é a concentração de renda), em Santa Catarina, em 2003, era de 0,526. Em 2012 caiu a 0,436.
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AN – Como isso se relaciona com índices de pobreza extrema?
Albano – Este é outro aspecto relevante. O percentual de pobreza absoluta era de 23,9% em 2003. Nove anos mais tarde, reduziu-se a 5,9% e, no ano passado, ficou abaixo de 3% – o considerado percentual de pobreza extrema absoluta residual.
AN – Como o Bolsa contribui para esse resultado?
Albano – O aumento do salário é vetor decisivo do ponto de vista econômico e de sobrevivência a explicar a melhora (redução) do índice de miséria. O salário responde por mais de um terço (37%) do total. Mas, superimportante, um quinto do todo (21%) da melhoria já advém dos benefícios derivados do Bolsa Família. Essa é a conclusão-chave do meu trabalho.