Uma dúzia de testes de laboratório feitos pelas indústrias, que podem ser desdobrados em 27 análises, não tem sido suficiente para evitar adulterações no leite que é oferecido aos gaúchos. Os golpistas que atentam contra a saúde pública para lucrar estão ganhando o duelo contra a fiscalização, agindo no vácuo das autoridades e apostando na impunidade.

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A inspeção federal do Ministério da Agricultura executou, em 2012, no país, cerca de 8 milhões de análises no leite cru entregue às indústrias. Não foi o bastante. A operação Leite Compen$ado, deflagrada no dia 8 pelo Ministério Público Estadual (MP), revelou fraudes no Estado, inclusive com presença de água, ureia e formol. Lotes das marcas Líder, Italac, Latvida (envasa ainda Hollmann, Goolac e Só Milk) e Mu-mu foram condenados.

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A adulteração no leite pode ser comparada aos vírus de computador, que se renovam a cada golpe e forçam a geração contínua de mais antivírus. Wagner Beskow, da Transpondo Pesquisa, Treinamento e Consultoria, alerta que é impraticável detectar qualquer substância de forma rotineira porque os delinquentes surpreendem com novos truques. Beskow aponta falhas na fiscalização. Destaca que produtores e transportadores não integram o sistema de autocontrole das indústrias de laticínios. Podem ser advertidos e desligados, mas continuarão agindo em outras regiões, se desejarem.

– Pela falta de leite no campo, produtores e transportadores que não atendem aos padrões mínimos de qualidade são eliminados por uma empresa, mas aproveitados por outra menos rígida na fiscalização – avisa.

O desafio de inibir falcatruas não é só do Brasil. A professora de Inspeção e Tecnologia de Leite e Derivados da Faculdade de Veterinária da UFRGS Andrea Troller Pinto diz que fraudes ocorrem até na Europa e nos Estados Unidos. E as autoridades estão sempre criando novos testes.

– O leite é um produto frágil, não tem uma embalagem natural, como o ovo. Os testes oferecem garantia relativa – lamenta Andrea.

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Governos prometem intensificar inspeção

Como a inventividade dos falsificadores é ilimitada, as autoridades correm atrás do prejuízo. O Ministério da Agricultura planeja fiscalizar a etapa mais vulnerável da cadeia do leite: o transporte entre a propriedade e a indústria. No Rio Grande do Sul, o secretário da Agricultura, Luiz Fernando Mainardi, resolveu padronizar a fiscalização pelas normas do ministério, aderindo à Instrução Normativa 62. Concedeu prazo de um ano para que os produtores sob inspeção estadual se adaptem às regras.

Outra providência, no Estado, é a promessa de contratar cem médicos veterinários, que deverão trabalhar exclusivamente na inspeção das empresas. O anúncio é de que deverão ser chamados até o final do ano. Os empresários se mobilizam para preservar a credibilidade das marcas. Representante das empresas, o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado (Sindilat) propõe maior vigilância, mas evita comentários. O presidente da entidade, Wilson Zanatta, está viajando e, conforme sua assessoria, não pôde ser contatado. O secretário-executivo, Darlan Palharini, preferiu não se manifestar.

Confira os exames disponíveis para detectar adulterações no leite. São 12 análises básicas, que podem ser desdobradas em até 27

1 Teor de gordura.

2 Teor de proteína.

3 Extrato seco desengordurado (mede a quantidade de lactose, proteínas e sais minerais, após a retirada da água e da gordura).

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4 Percentual de sólidos totais e de sólidos não gordurosos (mede a proteína, a lactose e os sais).

5 Índice crioscópico (mede o ponto de congelamento, que indica se houve adição de água no leite).

6 Pesquisa de neutralizantes de acidez e de reconstituintes de densidade (investiga adulterações com ureia, sal, açúcar, amido e outras substâncias).

7 Densidade relativa (mede o teor de sólidos no leite).

8 Temperatura.

9 Teste de álcool com alizarol (mede a acidez e a estabilidade do leite).

10 Acidez titulável (é uma prova mais profunda da quantidade de ácido no leite).

11 Pesquisa de fosfatase alcalina (quando o leite for proveniente de usina de beneficiamento ou fábrica de laticínios). A indústria deve receber o leite cru. O teste indica se foi aquecido antes.

12 Pesquisa de peroxidase (quando o leite for proveniente de usina de beneficiamento ou fábrica de laticínios). Também testa se o leite foi pasteurizado ou fervido antes de chegar à indústria.