Subir no octógono é o último ato da preparação de um lutador de MMA. Só assim ele pode ganhar a bolsa do combate. E a grana, ou a falta dela, tem abreviado a carreira de alguns talentos promissores da modalidade. Além da dificuldade financeira, a diminuição do número de eventos em Santa Catarina é outro fator que dá para levar em conta neste “êxodo das lutas marciais”. Se o MMA foi o esporte que mais cresceu desde o dia 5 de fevereiro de 2011 no Brasil – data da épica luta entre Anderson Silva e Vitor Belfort no UFC 126 –, nos últimos dois anos o cenário é de declínio, com o esporte acompanhando a economia do país.

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Grandes empresas deixaram de apoiar os eventos mais expressivos e o reflexo disso respingou nos empresários que ainda conseguiam ganhar alguma coisa produzindo o MMA no Estado. No efeito dominó, são os atletas que acabam sofrendo ainda mais com o prejuízo.

Sobreviver como lutador de MMA em tempo integral tem um custo alto. Antes de ficar cara a cara com um oponente, ele passa por treinos de diversas artes marciais, precisa ter uma preparação física diferenciada e tomar suplementos que possam repor o que o corpo necessita para todo dia encarar essa batalha. Tudo isso tem um custo elevado, além, é claro, das contas do dia. Quando essa equação dos gastos com o esporte, somados às despesas do dia a dia, não bate, as opções são poucas: ou o atleta para por um tempo ou abandona a carreira para sempre.

Com a vida financeira quase na lona, a decisão de abdicar do sonho é o que resta. E os três tapinhas da desistência foram dados pelo peso-pesado Léo Vitorino, que chegou a lutar no Jungle Fight, evento de fama internacional, e quase conseguiu um contrato no Japão.

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– Parei por falta de dinheiro, né? Mesmo lutando como profissional, a gente recebe pouquíssimo e não tem como pagar as nossas contas com o que recebe das lutas. São três, quatro lutas por ano e não dava. Infelizmente, tive que parar para conseguir um emprego, para ter uma renda e conseguir pagar minhas dívidas: aluguel, pensão, essas coisas – conta.

Se alguns chegaram a pensar que ele jogou a toalha cedo demais, para ele foi no momento certo para descobrir uma nova vocação: tornou-se barbeiro após o amigo William Brutus lhe convencer que não era um curso de “cabeleireiro”. Léo teve o curso pago pelo colega, que o chamou para trabalhar como atendente, servindo café e limpando o chão. Terminando o curso, veio o novo round na vida dele.

– Nisso eu comecei a gostar da profissão. Um dia ele me deu o jaleco e montou uma bancada para mim. Acabou que me formei barbeiro, gerenciei uma barbearia para ele em Jurerê e hoje sou gerente aqui no Santa Mônica. A situação hoje em dia está melhor, financeiramente falando – garante.

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Mas dentro do carioca de quase 1,90 metro o desejo era outro.

– Se você me perguntar: “Léo, era isso que você queria para a sua vida?” Não, não era isso. Eu queria ser profissional do MMA, ganhar dinheiro e viver só da luta. Mas, infelizmente, no país que a gente vive, eu não tive condições, como outras pessoas também não tiveram – lamenta.

Dúvida entre a aposentadoria e o sonho

Deixar de lutar é uma decisão difícil, tanto quanto se levantar após um knock down. E para quem esteve muito perto de chegar no topo da pirâmide, que é o UFC, desistir é ainda mais complicado. Aos 30 anos e com um cartel de sete vitórias e duas derrotas, o manezinho Peter Montibeller ainda sonha com o octógono. Mas sabe que a realidade hoje é dura. Ele avançou nas preliminares do reality show The Ultimate Fighter Brasil 4, em 2015, e foi até Las Vegas (EUA) para fazer um combate que valia a entrada na casa, estilo Big Brother. A chance era aquela, mas bateu na trave. Ele foi derrotado e não teve mais uma chance sequer de aparecer no UFC.

Castigado com duas lesões no olho, as contas para pagar e a necessidade de poder honrar com os compromissos fizeram ele dar uma pausa forçada na carreira. A última luta foi em março de 2016. De lá pra cá, ele tem se virado como pode, dando aulas de artes marciais e até fazendo bicos de segurança, passando por expedientes de até 11 horas em pé.

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– Acabei desistindo de uma luta por recomendação médica. Como tive que me afastar por alguns meses dos treinos, comecei a substituir os horários em que eu treinava por aulas em academias e particulares, pois tinha comprado uma casa com minha esposa e tinha todo o gasto. Tenho que pagar minha faculdade de educação física, que minha família começou a ajudar para eu não desistir do curso, e agora fui abençoado com a notícia de ser pai, que hoje me faz pensar melhor. Será que todas as lesões graves que tive, todo esforço que eu e minha família tivemos para poder chegar lá no evento e dar o meu melhor, ainda valem a pena nos dias de hoje? – questiona.

A dúvida de Peter faz eco, já que houve uma grande diminuição no número de oportunidade para os atletas lutarem em Santa Catarina.

– Há mais de dois anos não vemos mais eventos regionais, que são de extrema importância para que possamos chegar em um evento maior. Já não era lá aquelas bolsas valorizadas, mas sabemos que não é fácil pra eles fazerem um evento. Mas também temos que passar por essas lutas para chegar nos maiores eventos – explica.

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Problemas além do financeiro para montar um evento

Se está difícil para os lutadores, imagine para quem tem que abrir espaço para eles trabalharem. Sócio do Aspera FC e announcer de grandes eventos do país, Junior Furtuoso lista uma série de problemas que são enfrentados no mundo do MMA, mas o principal deles, segundo ele, não é nem financeiro.

– Existe uma grande vaidade. Se o evento não for “meu” e não tiver a presença da minha federação, vai ter alguém que tentará atrapalhar. E o que mais tem em Florianópolis é gente que não faz evento querendo frustrar o dos outros. A valorização dos atletas é outro problema. Em vez de divulgar o evento que vai lutar, ele coloca a hashtag UFC, achando que Dana White vai contratá-lo por este post. Muitas vezes eles não estão nem aí para quem está dando chance a ele.

Os atletas reclamam do baixo valor das bolsas, já que um evento com televisão e todos os alvarás custa, em média, R$ 50 mil. Para equilibrar essa conta, o Aspera, por exemplo, faz o atleta ser sócio ao vender ingressos. Para muitos, é ruim, mas hoje é o que garante a existência do evento.

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– Os maiores vendedores de ingressos saíram com bolsa de R$ 4 mil do Aspera. É lógico que ele teve uma correria, mas mostra que teve apoio. Outros, com 50 atletas na equipe, vendem cinco ingressos. Quem vai assistir o cara? Mas tem atletas comprometidos, que vestem a camisa dos eventos e fazem acontecer – enfatiza o organizador.

Outro fator que dificulta, e não é um problema só da Capital, é espaço. Em Florianópolis existe um só ginásio que atende às especificidades da luta, mesmo assim com uma estrutura falha. A Arena Jaraguá, palco do UFC por duas vezes, não recebe mais eventos de MMA por falta de demanda.

Opções fora do octógono

Migrar para outras modalidades, principalmente as que formaram a base do lutador, tem sido uma opção para conseguir viver de luta. Finalista do TUF Brasil 3, o catarinense Márcio “Lyoto” Alexandre Jr., de 28 anos, disputou os Jogos Abertos, em Lages, e foi campeão no caratê. O estudante de administração esteve em Tocantins no último fim de semana disputando uma seletiva para entrar no time Brasil que vai se preparar para os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, mas não se classificou. Vai tentar de novo ano que vem.

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O jiu-jitsu é outra arte que está no DNA do MMA. Faixa preta de Joinville, Diego Barbosa, 32 anos, dá aulas da modalidade enquanto planeja retornar aos combates. E antes mesmo de focar especificamente nas lutas, ele já pensava em ter outra coisa. Tanto que foi dono de uma loja de produtos naturais e sócio de uma academia.

– Ser atleta nunca foi a minha profissão, sempre fiz por hobby. Eu nem esperei não estar mais rendendo competitivamente, já optei por ter um negócio ao mesmo tempo que a luta. Eu cheguei a falar em parar de lutar, mas não consigo – diz Barbosa.

Outro exemplo de lutador e empresário é Ricardo Tirloni, de Balneário Camboriú, que há anos criou uma marca de roupas “fight wear”, que hoje é referência em Santa Catarina e com clientes no Brasil inteiro.

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Com passagem no Bellator, o segundo maior evento do mundo, e agora contratado do Pancrase, o show mais antigo do Japão, ele já não depende exclusivamente do esporte. Enquanto não se prepara para lutar, a rotina envolve exercício como abrir o computador, desenhar opções para a marca e fechar contrato com novos clientes.

Outro exemplo é Marcelo Brigadeiro, empresário e técnico de Tirloni. Ele comanda hoje a maior equipe de MMA do Estado, a Astra Fight Team. Após abandonar as competições de luta-livre, decidiu montar o time e empresariar atletas. Hoje, além de ter criado o Aspera Fighting Championship, maior evento de MMA do Brasil, tem lutadores em todos os principais eventos do planeta.

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