Conhecidos no mundo do crime como cangaceiros, grupos de assaltantes a bancos levam mais uma vez terror a pequenas cidades do interior de Santa Catarina. A reação policial praticamente inexiste nos municípios, demora ou depende de investigações complexas. Enquanto isso, criminosos fortemente armados trancam ruas com ônibus cheios de trabalhadores, atiram, fazem reféns, queimam veículos e explodem bancos em investidas planejadas durante a noite.
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Na sexta-feira, às 3h45min, moradores acordaram com estrondos e tiros em Otacílio Costa, município com 18 mil habitantes na Serra catarinense. Duas mulheres que caminhavam pela rua foram feitas de escudo humano enquanto a quadrilha explodia as agências bancárias da Caixa Econômica Federal e do Bradesco. Parte do grupo atirou contra a companhia da Polícia Militar para evitar que os agentes esboçassem reação. Participaram da ação pelo menos oito homens, mas ninguém foi preso. Três dias antes, em Rio dos Cedros, no Vale do Itajaí, um grupo trocou tiros com PMs e usou dinamites para explodir duas agências.
Nos últimos cinco anos, esse é um filme reprisado pelos rincões de SC, onde há escassez de efetivo policial. A escolha sempre foi por agências de cidades de até 20 mil habitantes, mas agora quadrilhas desafiam a segurança também em regiões mais populosas.
Um exemplo é Fraiburgo, com 36,1 mil moradores no Meio-Oeste catarinense, atemorizada por criminosos por duas vezes em menos de 30 dias entre abril e março. Bandidos dominaram a cidade empunhando fuzis e até ironizaram a falta de policiais no ataque ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, em 29 de abril. “Cadê os polícia (sic)”, gritavam os ladrões na rua de madrugada em meio a disparos contra prédios próximos, conforme relatos de policiais em grupos internos de comunicação.
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Pouso Redondo, no Alto Vale, e Salto Veloso, no Meio-Oeste, também foram alvos recentes de ataques que apavoraram os moradores. Há destemor dos ladrões com a polícia, tiros e ameaça a quem passa pela rua ou dorme em prédios vizinhos. Os ataques têm sido simultâneos e longos, com até 20 minutos de duração, revelando a despreocupação dos criminosos com a possível chegada de agentes de segurança.

Desde 2012, houve a prisão de quadrilhas no Paraná e no Rio Grande do Sul, mas a continuidade dos crimes indica que o Estado não dispõe de um plano abrangente de segurança que proteja a população dos ataques. Em 2015, uma ofensiva contínua teve roubos violentos em São Cristóvão do Sul, Irani, Seara, Campo Alegre e Santa Cecília. O bando fuzilou postos da PM enquanto comparsas explodiam caixas eletrônicos e cofres, além de fazer reféns na rua.
Polícia Federal vai investigar assaltos a bancos no interior de SC
Como a polícia chegou aos suspeitos em 2015
Rastrear a fundo as movimentações nas regiões dos alvos atacados nas noites dos crimes pode ser uma das armas para a polícia identificar e prender quadrilhas. A grande quantidade de estradas vicinais que podem servir como rotas de fuga dificulta a chance de captura.
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Na região de Concórdia, em junho de 2015, a Divisão de Investigação Criminal local e a Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) investigaram em conjunto uma quadrilha que agiu no Meio-Oeste e levou medo aos moradores pelo poderio bélico que mostravam na frente dos bancos.
Antes do roubo em Irani, por volta de 2h da madrugada, os seis homens vindos de Joinville com um veículo locado no aeroporto pararam em um CTG em Vargem Bonita, município das proximidades. O baile já havia encerrado. Um deles desceu do carro, comprou pasteis e espetinhos enquanto os demais aguardaram no carro.
A presença deles levantou suspeita e dias depois do ataque em Irani a polícia conseguiu identificá-los com a ajuda de depoimentos e retratos falados. A quadrilha levou R$ 320 mil no assalto e ainda não foi julgada. A Justiça de Concórdia determinou a transferência do Paraná das armas de grosso calibre apreendidas pela polícia daquele Estado. O objetivo é periciar em Santa Catarina o armamento para apurar se foram usados contra agências bancárias catarinenses e paranaenses.
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Suspeitos conversam em grupo de whatsapp
Bandidos com extensa ficha criminal, em liberdade provisória ou envolvidos com facções criminosas, figuram entre os envolvidos em assaltos com explosões a caixas eletrônicos no Estado. Geralmente, segundo a polícia, vêm do Paraná ou Rio Grande do Sul.
A quadrilha surpreendida pela Deic em fevereiro na frente do Banco do Brasil de São João Batista, no Vale do Rio Tijucas, era gaúcha. Policiais afirmam que um dos líderes seria matador de uma facção criminosa no Estado vizinho.
O bando se comunicava em um grupo de WhatsApp denominado Amigos do Jogo, descoberta feita após a apreensão de aparelhos celulares. Em uma das mensagens, a quadrilha tratava do aluguel de um sítio na região metropolitana do RS para encontros e também festas. Na frente do banco e na propriedade, seis pessoas foram presas, quatro bandidos mortos em confronto e um baleado sobreviveu. Quinze pessoas participaram.
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Câmeras são questionadas
Consideradas um grande investimento pelo Estado, as centrais de videomonitoramento da Polícia Militar também estão em xeque. Especialistas e policiais ouvidos pela reportagem avaliam que não adianta ter equipamento para filmagens se não há agentes para cuidar do que acontece, se antecipar ou mobilizar reforço rapidamente.
Duas das cidades atacadas neste ano contam com sistemas de câmeras em vias públicas: Fraiburgo desde 2014 e Rio dos Cedros, desde 2016, esta última com recursos de R$ 220 mil entre Estado e município. Os equipamentos não inibiram os ladrões nem há informações de que tenham ajudado para chamados de apoio imediato.
– Nosso pessoal sente muito receio que a cidade (onde atua) seja a próxima vítima, pois nem todos terão capacidade de enfrentar, seja pela diferença de armamento ou de efetivo. Um sistema de apoio dos municípios vizinhos deveria ser ativado imediatamente, o que não ocorre normalmente – alerta o presidente da Associação dos Praças de SC (Aprasc), Edson Fortuna.
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A reportagem indagou o comando da PM a respeito dos ataques e das câmeras, mas não obteve resposta. A Diretoria Estadual de Investigações Criminais, em Florianópolis, suspeita que a mesma quadrilha com integrantes do Paraná está agindo em Santa Catarina, como nos assaltos em Rio dos Cedros e Fraiburgo. A Polícia Federal informou que vai investigar assaltos contra a Caixa Econômica. As agências públicas seriam a opção preferida pelos ladrões por causa do volume de dinheiro nos caixas eletrônicos destinados aos saques das contas inativas do FGTS.
Onda de assaltos em 2017
Pelo menos oito cidades catarinenses foram palco de ações criminosas contra agências bancárias neste ano:
Salto Veloso
Tiros foram disparados contra a base da PM. Assaltantes explodiram dois bancos no Centro de Salto Veloso, em 9 de março.
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Rio dos Cedros
Criminosos renderam trabalhadores antes de explodir agências do Banco do Brasil e Bradesco, em Rio dos Cedros, na última terça-feira (9 de maio). As vítimas estavam em um ônibus usado pelo bando para fazer barricadas. Os assaltantes dispararam tiros de fuzil para o alto. Ninguém foi preso.
Joinville
Em 4 de fevereiro, uma quadrilha explodiu um caixa eletrônico da empresa Schultz, em Joinville, rendeu um vigilante, mas não conseguiu levar o dinheiro. Houve troca de tiros com a polícia na BR-101, e um carro com explosivos foi abandonado.
Navegantes
Uma parede humana de reféns foi feita por assaltantes, que levaram dinheiro de um carro-forte que abasteceria caixas eletrônicos no aeroporto de Navegantes, em plena luz do dia de 17 de janeiro.
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Pouso Redondo
Uma madrugada de terror foi descrita por reféns de bandidos que queimaram veículos, explodiram bancos e efetuaram dezenas de tiros nas ruas de Pouso Redondo, no Vale do Itajaí, em 1º de abril. As vítimas foram trabalhadores que estavam em ônibus bloqueados por assaltantes antes do ataque a agências.
Otacílio Costa
Duas mulheres foram feitas de reféns na rua, enquanto bandidos com fuzis dispararam tiros e explodiram dois bancos em Otacílio Costa, na madrugada de sexta-feira (12 de maio). A sede da PM também foi alvejada. Moradores relatam clima de pânico na cidade. Ninguém foi preso.
Monte Carlo
Assaltantes derrubaram duas árvores para bloquear uma rodovia e dificultar a passagem de policiais em Monte Carlo, durante ataque ao Banco do Brasil, em 1º de fevereiro. O bando abriu caixa eletrônico com maçarico e fez disparos na frente da agência.
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Fraiburgo
Com fuzis, criminosos dominaram o centro de Fraiburgo na madrugada de 30 de março e explodiram a agência do Banco do Brasil. Em 29 de abril, a quadrilha agiu novamente na cidade, desta vez em roubos simultâneos à Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil. Tiros foram disparados contra as fachadas de estabelecimentos e prédios próximos.