José Sarney está romanceando:
“Quando eu quebrei a caixa do meu amor por Saraminda, tinha apenas silêncio dentro dela. Dentro do silêncio, a obsessão em deitar-me com ela.”
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Poemas de Temer oscilam entre o ruim, o banal e alguns acertos
O ex-presidente e imortal da ABL segue Saraminda (2000) inteiro assim, carregando no lirismo e no realismo mágico, qual um aspirante a García Márquez do Maranhão. Uma escrava do livro foi comprada “por Jacob Biarritz, judeu serafim, que com ela se amasiou depois de perder todas as suas crenças religiosas e mergulhar nos desejos que o atormentavam na solidão dos vapores quentes do setentrião”.
Sarney dá umas acertadas. Muitas vezes, erra por excesso.
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Em todo caso, melhorou bastante desde Brejal dos Guajas (1988), que levou uma surra crítica memorável de Millôr Fernandes. “Não se pode confiar o destino de um povo, sobretudo neste momento especialmente difícil, a um homem que escreve isso”, escarneceu Millôr em um opúsculo que avalia também a sociologia de Fernando Henrique Cardoso.
Sarney diz não haver prédios públicos, calçadas e telégrafos na cidade do romance, mas Millôr destaca trechos com delegacia, prefeitura, calçadas e pessoas telegrafando, entre um infinito de outras incoerências, além de pobrezas literárias diversas.
Em livros posteriores, Sarney já não é tão distintamente precário – abstraia-se a antipatia daquela figura de cacique político falsamente bonachão e será possível ver ali um escritor regional ok, que agora sabe estruturar uma história coerente. Saraminda trata da busca pelo ouro entre o Amapá e Caiena, capital da Guiana Francesa. Sarney foi ao país vizinho pesquisar para o livro. É verdade que seus personagens falam com artificialismo de algumas novelas televisivas: “Veja lá, Seu Bonfin – abriu a blusa e mostrou os seios, apertando os mamilos –, isto não é mercadoria para ser comprada assim. É coisa minha, rara da natureza, que eu não jogo fora. Veja o valor deles e me trate de outro jeito, sem bebida e sem brutalidade”. O romance, em todo caso, tem várias passagens melhores que essa.
Na Nova República, excluídos Sarney, o hermético Fernando Henrique Cardoso, os ágrafos Lula e Dilma e a poesia quase colegial de Michel Temer, nos resta o beletrista Fernando Collor. Nosso atual senador ainda não nos legou uma boa obra de ficção (gerou roteiro para uma, o que é diferente), não obstante seu potencial léxico de mandar, a cada entrevista mais visceral, uma pessoa medianamente culta sete vezes ao dicionário.
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Nosso grande escritor político foi prefeito. Graciliano Ramos usou sua qualidade estética inclusive em despachos. “Para que tal anomalia (de excesso de poder de diversos funcionários) desaparecesse lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis”, escreveu em um relatório de 1928.
Em outros países, um caso notório foi o de Vaclav Havel, que só depois de consagrado como escritor se tornou presidente. Na América do Sul, o escritor Miguel Antonio Caro foi presidente colombiano de 1892 a 1898 e Vargas Llosa, prêmio Nobel, foi o mais relevante quase presidente, tendo perdido o segundo turno das eleições peruanas de 1990.
No século 19, o Reino Unido teve um primeiro-ministro romancista, Benjamin Disraeli. Em 1953, Churchill ganhou o Nobel de Literatura, embora escrevesse não-ficção. Nos Estados Unidos, Obama é considerado pelo Wall Street Journal o melhor presidente escritor desde Lincoln. Seu estilo sobressai mesmo em A Audácia da Esperança, um livro mais de campanha. Pela técnica narrativa, o anterior A Origem dos Meus Sonhos foi classificado pelo jornal como ¿mais um romance que um livro de memórias¿.
Como diz o WSJ sobre políticos literatos e vice-versa, trata-se de uma coincidência incomum: “A existência solitária do escritor, recriando o mundo no seu quarto, geralmente o torna inadequado para a intensa sociabilidade da prática da política, assim como os políticos mais bem-sucedidos se tornariam monges se encarassem a reclusão dos escritores”.
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