Luan Barcelos da Silva, matador confesso de seis taxistas, viveu uma gangorra emocional nos dois dias em que executou suas vítimas. Alternou momentos de extremo nervosismo com outros de frieza.
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É o que mostra o depoimento de três horas e 30 minutos prestado no sábado, dia 13, à delegada Melina Bueno e à inspetora Elisângela Cândido, da Polícia Civil, que atuou como escrivã.
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Confira a íntegra do depoimento de Luan à Polícia Civil
O interrogatório está resumido em cinco folhas de ofício, às quais Zero Hora teve acesso. No depoimento surgem revelações como o destino dado pelo assassino confesso à arma e também por que evitou matar outros taxistas que abordou.
Confira alguns trechos do testemunho de Luan, logo após ser preso:
A compra do revólver
Logo no início do depoimento, Luan diz que foi a Santana do Livramento na segunda-feira da Semana Santa, de ônibus, onde o aguardava sua mãe adotiva (a avó paterna). A intenção era vender alguns equipamentos para obter dinheiro e pagar o aluguel do apartamento que dividia com um conterrâneo em Porto Alegre. Ele diz que um amigo pediu que guardasse uma arma e aí teve a ideia de usá-la para praticar assaltos e conseguir saldar o débito:
“Foi para Livramento para vender um notebook e uma máquina fotográfica… não tinha ideia para quem vender e, como não tinha nota fiscal, temia que pensassem que os produtos eram roubados… quando chegou na cidade (Livramento), passou o dia todo tentando vender os produtos. Lá encontrou seu amigo F. (14 anos)… solicitou-lhe que guardasse uma arma, um revólver Taurus 22, pois sua mãe o havia encontrado. Pegou a arma e guardou em sua mala. Não conseguiu vender os produtos em Livramento… na madrugada de quarta para quinta-feira, estava desesperado e chamou um táxi, pelo telefone (cita o número de memória), por volta da 1h. O táxi o busca nas escadas de acesso à Cohab. Pediu para o motorista levá-lo ao residencial Veneza, que fica no bairro Planalto. Escolheu o lugar porque imaginou que ali ninguém iria vê-lo”.
A primeira execução
Luan revela memória prodigiosa para detalhes como cor e modelo de roupas, tipos de carros e aparência das pessoas que matou. Não demonstra emoção ao admitir o assassinato de Hélio Beltrão, a primeira vítima. Ele também mentiu aos policiais sobre seu serviço militar, dizendo ter ficado três anos no Exército, quando ficou menos de um.
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“… o veículo era um Fiat Uno, o motorista tinha cerca de 40 anos, era gordo, ficou sabendo depois que seu nome era Hélio… (Luan) estava de calça jeans escura, mocassim marrom, um blusão de linho bege listrado com marrom mais escuro. O sapato era de seu colega… com quem divide apartamento em Porto Alegre e que conhece de Livramento. Não se lembra o que conversou com o motorista de táxi, lembra apenas que o motorista perguntou se iria na casa da namorada. Disse que carregava uma mochila preta na qual havia uma jaqueta branca e preta listrada e que sua arma estava na cintura. Que é canhoto e atira com a mão direita… aprendeu a atirar no quartel, onde ficou por três anos. Não lembra das ruas onde passou. Sentou-se no banco de trás do veículo. Quando chegou ao destino, pediu para o motorista parar o carro e então puxou a arma e atirou na cabeça do taxista, no lado direito, tendo disparado dois tiros. Refere que não pediu nada, atirou, pois não queria que o taxista o reconhecesse. Contou que pegou dois celulares e cerca de R$ 200… o dinheiro da vítima estava no porta luvas do veículo e o celular no console… Um aparelho estava com ele até hoje e agora está com os policiais. O outro celular roubado foi entregue a seu irmão, de 12 anos de idade. Os outros três aparelhos roubados (de outros taxistas) foram colocados no lixo de sua casa em Porto Alegre. Deixou o corpo da vítima no local e conduziu o táxi até Rivera, atrás de um cassino, não sabendo informar o motivo do local escolhido. Após, foi até a esquina dos camelôs e pegou outro táxi, no ponto”.
A arma falhou
No depoimento, Luan deixa claro que agiu de forma oportunista e aleatória. Pegava os táxis no ritmo em que abandonava o veículo anterior, logo após matar. Num caso, a arma falhou. Ele escolhia os locais para desovar os veículos ao acaso.
“Escolheu esse ponto (junto aos camelôs) por ser o mais próximo. O segundo veículo era um Gol branco, o único que estava no ponto… O motorista era gordo, alto, cerca de 30 anos, cabelos curtos. Não conversou com o motorista, apenas pediu que o levasse até o Cerro do Armour. Quando chegou ao destino, pediu que o motorista parasse o veículo. Tentou disparar, porém a arma falhou e a vítima se virou. Apertou novamente o gatilho e disparou. Estava sentado no banco de trás quando atirou. Não bateu na vítima, em nenhuma delas… Roubou o aparelho celular e aproximadamente R$ 100. Largou o corpo no local e saiu com o veículo, indo em direção ao centro, deixando o veículo no Fortim, na divisa de Livramento com Rivera, em frente a um posto de gasolina. Foi até a Rodoviária a pé”.
A terceira execução
Luan continuou sua trilha fatídica, a esmo. Na rodoviária pegou a Elba de Enio Rolim Lecina, o mais velho dos taxistas que iria assassinar na Fronteira. Pela primeira vez o assassino admite que estava tenso e que, em algum momento “sabia que seria preso, pois nenhum crime é perfeito”.
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“Na Rodoviária pegou um Elba, porque estava livre. Que o motorista tinha mais de 50 anos, era bem magro, não sabe informar a vestimenta da vítima. Que sentou no banco da frente, pois o carro era duas portas. Não conversou com o motorista, pois estava tenso… desde o momento em que saiu de casa, naquela noite. Solicitou que o motorista fosse até Rivera, bairro Bissio… solicitou que parasse o veículo e atirou na cabeça da vítima, duas vezes seguidas. Roubou o aparelho celular e o dinheiro… o total roubado naquela noite foi R$ 470. Quando chegou em casa tentou dormir… passava tudo por sua cabeça… sabia que seria preso, pois nenhum crime é perfeito. Não conseguiu vender os aparelhos. Passou o dia em casa e não contou sobre os crimes a ninguém. Suas roupas não ficaram sujas de sangue”.
O “orientador educacional”
Após narrar sua volta de ônibus a Porto Alegre, Luan descreveu sua rotina. Desempregado, ele relata que recém tinha começado a trabalhar em uma escola de informática, lecionando para crianças.
“….Está trabalhando há uma semana… como orientador educacional, trabalha com crianças, o que adora fazer… estava desempregado desde o dia 23/12/12”.
O aluguel atrasado
Neste trecho, Luan fala da preocupação em obter dinheiro para pagar o aluguel do apartamento que dividia com um amigo, também natural de Santana do Livramento, no bairro Santa Cecília.
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“….O valor do aluguel do apartamento onde mora é R$ 1 mil… Passou o dia em casa pensando se cometeria outros crimes, pois ainda precisava do dinheiro e não tinha para quem pedir emprestado e não possui conta em banco. Trabalhava como corretor de imóveis (atuava no ramo irregularmente porque não era corretor), mas parou, porque não tinha o curso necessário… Quando saiu de casa só sabia que tinha que voltar com o valor necessário para pagar o aluguel”.
O taxista escapou
Na página quatro, Luan relata a investida frustrada porque desistiu de matar um taxista.
“Lembra de um taxista que pegou na Avenida Assis Brasil… Ao entrar no táxi, sentou-se no banco traseiro, porém um taxistas que estava do lado de fora solicitou que o depoente sentasse no banco da frente. Perguntado sobre o motivo pelo qual não matou o taxista, respondeu “não sei”, acreditando que o taxista tinha pressentido”.
Roupa suja de sangue
Logo depois, Luan conta como embarcou no táxi e matou o motorista Eduardo Ferreira Haas, e ficou com as roupas manchadas de sangue.
“….Não tomou nenhum táxi desse ponto (na Avenida Baltazar de Oliveira Garcia) porque nesse local havia vários taxistas conversando. Atravessou a rua e pegou um táxi que passava pelo local, sentido bairro/Centro. Este taxista era magrinho, novo, bem novo, vestindo calça e camiseta. Estava usando boné… Pediu que fosse deixado no IAPI, pela Plínio… Quando pediu que parasse o veículo, aconteceu o mesmo que os demais casos. Porém o carro ficou sujo de sangue, tendo sujado também seu moletom, suas calças e seus tênis. Por esse motivo tirou o moletom e ficou usando uma camiseta de manga comprida, na cor rosa. Neste táxi, também estava sentado no banco traseiro, com sua bolsa de viagem”.
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O revólver escondido
Neste ponto, Luan fala de como escondia na cintura a arma usada para matar as seis vítimas, um revólver calibre .22.
“…Sua arma estava na cintura. Todo tempo ficou com a arma na cintura. Disparou dois tiros contra a cabeça da vítima, sem encostar, assim como em relação às demais vítimas. Os dois tiros foram seguidos… A arma ficava na sua cintura, sem coldre, sob a blusa”.
A última execução
O último taxista que pegou, Luan matou próximo a um lugar que conhecia, no bairro Rubem Berta. Ele lembra que o motorista usava óculos.
“…Chegando ao local, pediu que o motorista parasse. Estava no banco de trás. Sem falar nada, sentado, disparou dois tiros na cabeça da vítima (Cláudio Gomes, 59 anos), um seguido do outro. Em todas as vezes em que atirou, estava atrás do banco do carona, em Porto Alegre. Não levou o veículo dessa vítima porque viu que em casa próxima havia luz acesa…”.
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Em Santana do Livramento, na tarde de terça-feira, Luan prestou novo depoimento. Confirmou tudo que havia dito aos investigadores em Porto Alegre, mas foi contraditório em alguns trechos, que Zero Hora destaca abaixo:
A passagem pelo Exército
A primeira contradição de Luan diz respeito ao tempo de serviço militar. No depoimento dado em Livramento, ele disse que mudou-se para a Capital aos 19 anos, após concluir o serviço militar. A primeira versão era de que ficara três anos no Exército: