O boné com a bandeira de Cuba está sempre sobre a cabeça, como um adorno fixo que evidencia a paixão pelo comunismo, e em seu discurso predomina o princípio marxista de que a sociedade “é a arena da constante luta entre trabalhadores e capitalistas”. Tem como ídolos o revolucionário argentino Che Guevara e o guerrilheiro brasileiro Carlos Marighella.
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Com estas habituais preferências da extrema-esquerda latino-americana, o líder e porta-voz da Ocupação Amarildo de Souza, Rui Fernando da Silva Junior, 49 anos, natural de Capivari de Baixo, Sul do Estado, capitaneou o acampamento que alimenta esperança a algumas famílias, causa desconforto em empresários e instituições públicas e assusta parte da população.
Atualmente filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), Rui Fernando ostenta um histórico de militância em partidos, sindicato e movimento social, no Sul do Estado e na Grande Florianópolis. Servidor público da Casan em Tubarão, foi um dos 24 dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores de Água, Esgoto e Saneamento de Santa Catarina entre as décadas de 1980 e 1990.
Rui participou de greve de fome
Na época, ainda filiado ao PT, Rui e os colegas sindicalistas montaram a chapa que em 1987 venceria a situação, cujos membros eram escolhidos a dedo pelos militares. Em 1989, o sindicato deflagrou uma greve que durou um mês. As reivindicações – melhores salários e condições de trabalho – foram apresentadas ao então governador Pedro Ivo.
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Impasses nas negociações levaram Rui e demais sindicalistas a iniciarem uma greve de fome por quase sete dias, no gabinete da então deputada estadual Luci Choinacki (PT) na Assembleia Legislativa, hoje deputada federal. Após a chapa ser derrotada nas eleições em 1996, Rui abandonou o sindicato e se aposentou pela Casan. Foi quando começou a militar no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), passando a percorrer acampamentos pelo Estado. Cantor, ele desempenhava o papel de animador ao interpretar canções populares, sobretudo de Raul Seixas, uma de suas paixões.
Rui não é de origem rural, mas a ideologia o jogou no colo do MST, onde aprendeu a cultivar a terra e a entender os meandros dos processos jurídicos capazes de conquistar lotes em assentamentos promovidos pelo Incra. O lema e slogan histórico do MST – planejar, executar e manter ocupações – tem sido usado por Rui na organização da Ocupação Amarildo.
A vivência do mundo sindical urbano o habilitou a negociar com moradores de periferia e circular com desenvoltura em meio a lideranças comunitárias e políticas. As aptidões tornaram-se fundamentais para invadir terrenos urbanos e erguer acampamentos dentro de cidades. Em uma dessas tentativas Rui acabou preso.
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Rui Fernando na área na SC-406, em que houve confronto com os moradores
Foto: Guto Kuerten/Agência RBS
Prisão no Sul do Estado
Em janeiro de 2010, ele e Altair Lavratti, outro coordenador do MST, planejavam ocupar um terreno de 200 hectares na Zona de Processamento e Exportações (ZPE), área estadual em Imbituba, também no Sul do Estado. O objetivo do grupo era assentar pequenos agricultores de mandioca da região. A Polícia Militar, que havia monitorado os telefones e se infiltrado nas reuniões dos possíveis invasores, deteve Lavratti numa usina de reciclagem e evitou a ação dos militantes de esquerda.
Naquela noite, Rui pernoitava na casa da líder comunitária Marlene Borges, também envolvida com a reivindicação, grávida de três meses. Rui sabia que era procurado pela polícia e, depois de uma noite de apreensão, se entregou na manhã seguinte. Poucos dias depois o Tribunal de Justiça de Santa Catarina concedeu habeas corpus a Rui e Lavratti, acatando o argumento de que a prisão teria sido autoritária.
O episódio acabou estimulando Rui a se distanciar do MST, pois desconfiava que a assunção do PT de Lula ao Palácio do Planalto fazia o movimento perder a índole revolucionária que sempre o caracterizara. Amigos e conhecidos de Rui contam que ele entendia que o partido de esquerda estava se adequando demais ao sistema contra o qual sempre lutara.
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Filiação ao PCB
O descontentamento o levou a se desfiliar do Partido dos Trabalhadores para aderir ao PCB. Na nova sigla, segundo ele, sairia em busca de novas formas de luta. Pessoas que o acompanham dizem que ele considera a linha comunista mais coerente com suas ideias revolucionárias e com a busca por “ocupações mais combativas”. Na Ocupação Amarildo, Rui tem como dois dos principais assessores a mulher e o filho.
O rapaz, Rui Fernando da Silva Neto, é jornalista formado e funcionário do Sindicato dos Trabalhadores de Saúde Pública (SindSaúde). Desde que a área foi invadida, em dezembro, ele se mudou para o acampamento às margens da SC-401. Além do filho, praticante de surfe e que também trabalhou como guarda-vidas, tem o apoio direto da mulher, Suzi Rocha da Silva, que também se intitula uma das líderes da ocupação. Outro braço importante de Rui é o fotógrafo Pepe Pereira, que o auxilia na coordenação do movimento.
Apelo à PM
Pepe e o filho de Rui trabalharam juntos no Setor de Comunicação do MST em 2011. Considerado pelos liderados um homem diplomático e articulador, Rui mostrou-se de fato um líder sereno mesmo em meio aos momentos mais tensos vividos pelos invasores, como o enfrentamento com os moradores do Rio Vermelho após invasão do terreno na SC-406.
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Naquele momento, vendo seus protegidos acuados pelos revoltosos moradores do Rio Vermelho não hesitou em ligar diretamente para o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Nazareno Marcineiro. Viu que era hora de recuar e sem constrangimento pediu – ironia das ironias – proteção à Polícia Militar, uma corporação que historicamente ele enfrenta.